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Carlos Rocha dos Santos é Jornalista, Professor Universitário e Diretor na L1NK Estúdio Criativo (Fotos: Divulgação)
A síndrome do desempregado sem primeiro emprego. A porta de entrada está ficando estreita aos mais jovens e recentes no mercado.
A inteligência artificial não tornou o profissional sênior obsoleto. Pelo contrário: em meio à automação crescente, a experiência humana ganhou ainda mais valor. Empresas em todo o mundo relatam que trabalhadores experientes se tornaram indispensáveis, não por executarem tarefas básicas, mas pela capacidade de formular perguntas, interpretar dados e auditar os resultados entregues pelas máquinas. É o lastro acumulado ao longo da trajetória que hoje diferencia quem apenas opera uma ferramenta de quem consegue extrair dela sentido, estratégia e direção.
Na contramão, os mais jovens enfrentam a chamada “síndrome do desempregado sem primeiro emprego”. A porta de entrada está cada vez mais estreita para recém-formados. As funções repetitivas, que serviam de iniciação prática para milhares de profissionais, já não existem em muitos setores. Tarefas de base são agora executadas por algoritmos, restringindo a oportunidade de construção de experiência logo no início da carreira. Esse fenômeno, identificado em pesquisas internacionais, vem sendo chamado de “desemprego sem contratação”: não se trata apenas da eliminação de vagas, mas da ausência de chances de ingresso.
Estudos do Goldman Sachs, datados de 2023, estimam que cerca de 300 milhões de empregos no mundo estão expostos à automação. Em paralelo, pesquisas do Stanford Digital Economy Lab mostram que tarefas tradicionalmente atribuídas a iniciantes em tecnologia e comunicação já são executadas de forma automática por algoritmos. O que antes era a oportunidade do primeiro emprego, hoje se torna linha de código.
“A IA elimina tarefas de base. Justamente aquelas que abriam a porta do mercado para os jovens.”
Experiência como ativo em alta
Se para os recém-formados o cenário é de obstáculos, para os profissionais seniores a inteligência artificial tem efeito inverso. Empresas relatam que trabalhadores experientes se tornaram ainda mais valiosos, não por executarem tarefas básicas, mas pela capacidade de formular perguntas adequadas, interpretar dados e auditar os resultados entregues pela IA.
O Economic Times resumiu bem: “O sênior não compete com a máquina, ele conduz a orquestra.” Essa valorização é fruto do lastro de conhecimento acumulado ao longo dos anos, que permite ao profissional discernir entre um resultado útil e um erro disfarçado de precisão. Na prática, um analista experiente pode hoje assumir o trabalho que, até pouco tempo atrás, demandaria equipes inteiras de iniciantes e plenos.
A inteligência artificial escreve, calcula, analisa padrões. Mas ela não carrega memória afetiva, não entende contexto cultural, não avalia impacto social e, sobretudo, não assume responsabilidade ética. É aí que a experiência humana se torna indispensável. O julgamento crítico, a sensibilidade em perceber nuances, a capacidade de relacionar informações aparentemente desconexas continuam sendo atributos exclusivos das pessoas.
“A máquina produz, mas quem decide continua sendo o humano.”
É esse diferencial que transforma o profissional sênior em peça-chave: não se trata apenas de operar sistemas, mas de questioná-los, guiá-los e, quando necessário, contradizê-los.
O paradoxo da juventude brasileira
Os indicadores no Brasil mostram uma queda expressiva no desemprego juvenil: segundo o Ministério do Trabalho, entre 2019 e 2024 a taxa caiu de 25,2% para 14,3%. Em Santa Catarina, os números são ainda mais positivos, com o estado registrando a menor proporção de jovens “nem-nem” do país, pouco mais de 10%. Mas, na prática, esse cenário não se traduz em facilidade para quem busca sua primeira oportunidade.
Relatórios recentes da plataforma Indeed revelam que os postings de vagas de entrada caíram em relação ao pico de 2022, enquanto exigências de experiência mínima cresceram. A equação é cruel: jovens formados, com energia e disposição para aprender, encontram menos espaço justamente no momento de transição para a vida profissional.
O caso catarinense e suas contradições
Santa Catarina vive uma contradição singular. De um lado, ostenta indicadores acima da média nacional: em 2024, o setor de tecnologia do estado faturou mais de R$ 42 bilhões, representando 7,7% do PIB catarinense. Florianópolis desponta como polo de empregos verdes e digitais, reunindo aproximadamente 20% dos vínculos formais nesse segmento. De outro, jovens recém-formados ainda encontram barreiras para ingressar no mercado, sobretudo nas áreas onde a automação se mostra mais presente.
Essa realidade abre um campo de reflexão para empresas, universidades e governos locais: como alinhar a expansão econômica com a criação de trajetórias profissionais sólidas? Como garantir que a inteligência artificial, em vez de excluir, seja incorporada como ferramenta de inclusão produtiva?
“Em Santa Catarina, o setor de tecnologia já soma R$ 42 bilhões. Mas quem está entrando ainda sente as barreiras.”
Conclusão: o lastro humano na era da inteligência artificial
O fenômeno do “desemprego sem contratação” mostra que a inteligência artificial não extingue apenas postos de trabalho: ela redefine quem tem valor no mercado. Para os jovens, o desafio é maior, mas não intransponível. Para os sêniores, a experiência acumulada se converte em vantagem competitiva inédita.
A resposta não está em negar a tecnologia, mas em domá-la com conhecimento humano. Para os recém-formados, a estratégia passa por desenvolver habilidades complementares à IA: pensamento crítico, ética, letramento em dados, capacidade de comunicação. Portfólios práticos, experiências extracurriculares e participação em projetos colaborativos podem se tornar diferenciais mais importantes do que o currículo tradicional.
Ao mesmo tempo, políticas públicas e iniciativas empresariais podem atuar como ponte. Estágios direcionados para o uso da IA, programas de residência tecnológica e incentivos à formação continuada são instrumentos que já aparecem em outros países e podem ser replicados não só em Santa Catarina, onde o cenário é mais tranquilo em relação aos índices nacionais.
No fim, a lição é clara: a tecnologia multiplica a capacidade produtiva, mas o conhecimento humano continua sendo o ativo essencial. É o lastro de experiência, de vivência e de aprendizado que diferencia quem sabe apenas operar uma ferramenta de quem consegue extrair dela sentido, estratégia e direção.
Fontes consultadas
•Goldman Sachs (Relatório 2023 sobre impacto da IA no trabalho);
•Stanford Digital Economy Lab;
•Organização Internacional do Trabalho (OIT);
•Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE);
•Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil (PNAD, 2019–2024);
•Observatório ACATE (Relatório 2025 sobre Tecnologia em Santa Catarina);
•Reportagens do Business Insider, Economic Times e Inside Higher Ed.
Carlos Rocha dos Santos é Jornalista, Professor Universitário e Diretor na L1NK Estúdio Criativo
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