A jornalista Néri Pedroso é a convidada da 64ª edição do Círculo de Leitura de Florianópolis, marcada para às 18h desta quinta-feira, 29, na Sala Harry Laus da Biblioteca Universitária da UFSC. Formada pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), ela atua no mercado de comunicação de Santa Catarina desde 1988, sempre na área cultural. Atuou nos jornais Diário Catarinense, A Notícia e Notícias do Dia, nos quais exerceu funções de repórter, chefe de redação e editora-executiva. Gratuito e aberto à comunidade, o Círculo terá transmissão ao vivo pelo Laboratório de Educação a Distância, (LED/EGC/UFSC), no endereço tvled.egc.ufsc.br/aovivo.

 

Em 2005, Néri escreveu a grande reportagem “O Longo Caminho da Arte”, publicada no livro “Construtores das Artes Visuais – 30 Artistas de Santa Catarina em 160 Anos de Expressão” (ed. Tempo Editorial). Em 2008, realizou a pesquisa do documentário “À Luz de Schwanke”. Participou em conselhos editoriais de revistas e outros periódicos, fundou e hoje preside o Instituto Luiz Henrique Schwanke. Integrou o conselho consultivo do Museu Hassis e integra o conselho consultivo do Instituto Meyer Filho. É autora de “Hassis” (2010, ed. Tempo Editorial) e “Coletiva de Artistas de Joinville: Construção Mínima de Memória” (2012-FCJ)

Também atuou como assessora de imprensa na Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes (FCFFC) e integrou os projetos Centenário Martinho de Haro, Mostra Meyer Filho – um Modernista Saído da Lira (2007), entre outros. Mantém no jornal Notícias do Dia, em Florianópolis, a página semanal “Mosaico”, na qual escreve sobre cultura. Atualmente conduz a NProduções, empresa voltada para o campo da cultura e do jornalismo.

ENTREVISTA COM A CONVIDADA:

Como os livros entraram em sua vida? O ambiente familiar era propício, de estímulo à leitura?

Néri Pedroso – Embora meus pais estivessem convictos de que o grande bem que poderiam deixar para as filhas seria a educação – com meta até a formação universitária –, não havia livros em casa ou exemplos a seguir. Um livro presenteado à irmã mais velha, O Diário de Ana Maria, creio que foi o primeiro livro que li por inteiro. Mas desde menininha sempre tive gosto por cadernos, papéis, anotações, jornais, revistas. Menina guardadora de coisas, a mãe conta que das filhas sempre fui a que mais acumulava bugigangas. O papel e suas texturas, as ilustrações me fascinam até hoje: sou uma colecionadora de imagens e de papéis… tanto que mais tarde fiz arte postal, algo que rendeu até participação em mostra internacional de arte. Ressalvo, no entanto, que nunca tive a pretensão de ser artista. Criei o hábito de personalizar envelopes, algo que chamou a atenção e resultou em convite para participar.

Como foram seus primeiros anos de escola e sua relação com os livros nesse período? Que obras e autores mais a seduziram?

Néri – Quando entrei no ginásio, descobri a biblioteca do Sesc, onde pegava os livros emprestados e onde também gostava de ficar, lendo, estudando, vendo nas estantes tudo o que ainda tinha para ler. Comecei com os policiais, em especial Agatha Christie. Sem nenhuma orientação, sem nenhum controle, era movida pela curiosidade. Li best-sellers da época, tipo J. M. Simmel, mas também passei por Érico Veríssimo, depois teve um momento Cassandra Rios, uma surpresa para uma adolescente que nada sabia sobre sexo, até chegar à estante da poesia: ali uma descoberta maravilhosa. Lembro que li com cerca de 12-13 anos uma antologia de Vinicius de Moraes, numa edição primorosa, com capa dura, folhas fininhas que pareciam de seda… Puro deleite e deslumbramento. Na verdade, não lembro direito todos os autores que busquei. Nesta época, uma prima tinha uma livraria, onde eu adorava ir: primeiro porque lá tinha amigas, as atendentes que também gostavam de ler e escrever, e depois os livros que podíamos ler, tocar, olhar, comentar. Gostava tanto de lá, onde era tratada como mascote, porque menininha, que acabava ajudando no atendimento. Creio que nestes ambientes e com essas pessoas me formei como leitora, circunscrevendo já um caminho para o jornalismo.

Como ocorreu sua opção pelo jornalismo, e sobretudo pelo jornalismo cultural? Tudo foi por acaso, ou essa era uma vontade, um projeto?

Néri – Nunca tive dúvida do que queria ser, tanto que ao entrar no 2º Grau fiz uma opção radical, a de escolher um caminho profissionalizante, tradutora e intérprete em inglês. Na verdade, nunca pensei em seguir essa profissão, mas vi ali a chance de um melhor preparo para o vestibular em jornalismo. O curso de 2º Grau não contemplava aulas de física, química, biologia e matemática. A ênfase recaía em português, literatura, inglês. A escolha foi correta, porque passei no primeiro vestibular prestado na Universidade Federal de Santa Catarina.

A opção pelo jornalismo cultural: ao ser demitida do primeiro emprego no A Razão (Santa Maria/RS) fui trabalhar no jornal O Expresso, que era semanal e com uma gestão anárquica, cada meio que fazia o que queria. Criei, então, uma página – Arte e Cultura – na qual comentava exposições e entrevistava artistas, os da cidade e os de fora. Esse espaço teve uma repercussão inesperada, tanto que um ano depois o dono de A Razão me chamou de volta para que eu fizesse algo similar no jornal. De Santa Maria saí para Caxias do Sul já com convite para montar um projeto de caderno de cultura que se chamava “Sete Dias”, do jornal O Pioneiro. Do Pioneiro vim para Santa Catarina, onde comecei no Diário Catarinense como repórter especial de Geral, o que foi bacana porque conheci o Estado. Viajei bastante neste período.

Ao sair do DC, o jornalista Luís Meneghim soube que eu estava no mercado e formulou um convite para fazer o “Anexo”. Cheguei em Joinville em maio de 1989 e pedi um tempo para conhecer melhor a cidade e o contexto cultural enquanto implantava uma editoria de cultura, algo que não existia no jornal A Notícia. Assumi o caderno em novembro de 1989 e daí o restante todos conhecem…. O curioso é que fiz algumas tentativas para sair da área, mas a experiência e o gosto por esse universo, creio, foram determinantes para que não ficasse distante, nem mesmo quando fiz chefia de redação ou edição executiva de outros projetos.

Que livros e autores foram mais marcantes? Tem preferência por alguma “escola” (russa, francesa etc.)?

Néri – Difícil resposta, mas os existencialistas, sobretudo Sartre, Camus, Beauvoir, entre outros, mexeram bastante comigo, moldando o jeito de pensar o mundo, o homem. Outro marcante: Henry Müller, porque li precocemente. Que susto maravilhoso! Os latinos, como Sábato, Llosa, Galeano e Julio Cortazar, também enriqueceram o imaginário. O Jorge Luiz Borges li mais tarde. E há os gaúchos, como Veríssimo, Josué Guimarães, Lya Luft, Caio Fernando Abreu, Mario Quintana etc. O encontro com os catarinenses ocorreu aqui, quando comecei no “Anexo”. Nessa época a biblioteca pública de Joinville foi valiosa. Ela ficava a duas quadras de casa e tinha um bom acervo.

Como vê a relação das novas gerações com a leitura? A internet tem ajudado ou atrapalhado o contato dos jovens com os livros?

Néri – Difícil avaliar, generalizar, porque conheço Sophia, uma menina de nove anos, que não vê televisão e lê – muito. E escreve bem também. Ao mesmo tempo, usa as novas tecnologias. Assusto-me em observação diária, no cotidiano, o quanto os jovens hoje se revelam mal educados, insensíveis: não pedem licença, não agradecem, não cedem o lugar para os idosos, são deselegantes, atravancam lugares de passagem, parecem não conhecer nada de etiqueta e elegância. Algo assustador, pois atesta que em algum lugar falta orientação. E nem falo nas escolas, porque o papel principal neste campo é da responsabilidade dos pais e não dos professores. Um pai que não ensina a elegância, aqui entendida como a capacidade de olhar e perceber o outro, estará preocupado com as leituras dos filhos?

Também é preciso pensar que na hipermodernidade tudo é veloz e mais valia, tudo tem de render lucro, tudo é imagem. Há uma problematização entre juventude e literatura, no entanto, não consigo dimensionar bem. Poderíamos também refletir sobre os impactos das bibliotecas virtuais no hábito da leitura, bem como uma das maiores marcas da contemporaneidade, que é a circularidade de discursos, as disciplinaridades, a suspensão da lógica temporal e identitária, a fragmentação.

Ler no século 20 é diferente de ler no século 21. Hoje, por exemplo, não lemos um único livro, lemos vários ao mesmo tempo. Lemos só o que interessa, um capítulo da obra tal… Lemos tudo ao mesmo tempo, revistas, jornais, geralmente as pessoas não sabem bem onde e em que veículo viram a informação. Camadas e mais camadas de informações, em fragmentos e em alta velocidade…

O que está lendo no momento?

Néri – Tenho a sensação de que não leio o que desejo, mas sim o que o roteiro de trabalho determina. Então, em função de uma pesquisa, atualmente leio por recomendação de uma orientadora acadêmica. Embora não faça mestrado, integro grupo de estudo com pessoas que são do Centro de Artes da Udesc, onde fiz disciplinas como aluna especial (matriculada) e ouvinte. Em função disso, reli Eremita em Paris – Páginas Autobiográficas, de Italo Calvino, e agora estou terminando Se um Viajante numa Noite de Inverno. Calvino é genial.

Em função da mesma pesquisa, um texto sobre a vida de Luiz Henrique Schwanke, li, seguindo uma espécie de roteiro, A Arte de Passear, de Karl Schelle; A Mulher Calada – Sylvia Plath, Ted Hughes e os Limites da Biografia, de Janet Malcolm; Ter e Manter – Uma História Íntima de Colecionadores e Coleções, de Philipp Blom. Em recente visita a uma sobrinha, peguei Rafa Minha História, uma biografia escrita por Rafael Nadal e John Carlin. As biografias, importantes para o momento, são lidas quase como leituras de férias, digamos assim. Também sou obrigada a dar uma olhada em outros livros que o trabalho no ND exige, exemplares enviados pelos autores, como os recentes Muralhas de Lã, de Marcos Laffin, ou A Literatura dos Catarinenses: Espaços e Caminhos de uma Identidade, de Celestino Sachet.

Fale um pouco de seu trabalho, do que publicou, do que ajudou a fazer, da carreira no jornalismo e dos projetos que desenvolve agora, fora das redações.

Néri – Hoje estou envolvida com a presidência do Instituto Schwanke e com as demandas da NProduções, empresa voltada para projetos do campo da cultura, que oferece produtos na área de jornalismo e ajuda profissionais de diferentes áreas para a organização de acervos. Construção Mínima de Memória é um dos programas/produtos criados pela NProduções. Objetiva a descoberta e montagem de dados correlatos à vida e produção de artistas visuais. Além da reunião e organização de acervos midiáticos, produz textos analíticos com base nestas pesquisas. Entre seus projetos estão Schwanke, Hassis, Coletiva de Artistas de Joinville e Laércio Luiz.

No campo da assessoria de imprensa, realiza diferentes atendimentos. Em 2012, dois projetos do Ministério da Cultura com patrocínio da Petrobras: as peças “A Carpa” e “Corte Seco”.

Acabo de produzir e editar o caderno “Hei de Deixar Nome”, um projeto do Grupo RIC Record que marca os 150 anos do poeta Cruz e Sousa. O caderno, de 24 páginas, foi encartado na edição de 24 e 25 de novembro e agora será distribuído gratuitamente para escolas públicas municipais.