Área plantada teve um aumento de 36% em relação ao ano passado

Com cerca de 65% das lavouras colhidas até novembro, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), a produção de trigo em Santa Catarina vem registrando uma safra recorde, com área cultivada 36% maior em relação ao ano anterior. A expectativa é de que até o final do ano sejam colhidas 445 mil toneladas do grão. Apesar da produtividade ter registrado uma leve redução em relação ao ano anterior,  cerca de 3,3%, o produtor catarinense ainda tem motivos para comemorar. Afinal, por ser uma cultura que exige grande investimento em tecnologia, maquinário e insumos, historicamente o trigo não era uma opção viável para o pequeno agricultor, que acabava optando por deixar de produzir durante a safra de inverno, fazendo com que o solo ficasse vulnerável a geadas e a perda de nutrientes.

A partir de 2020, porém, os ventos começaram a mudar em favor da produção de trigo em Santa Catarina. Com o aumento no preço dos alimentos considerados commodities no mercado internacional e novas possibilidades para a utilização do grão no estado, os produtores passaram a enxergar no trigo uma nova fronteira de oportunidade. Segundo João Rogério Alves, engenheiro agrônomo da EPAGRI (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina), um dos principais propulsores do aumento na produção do cereal de inverno foi o programa de incentivo ao plantio de trigo para alimentação animal, lançado pelo governo estadual inicialmente em 2020 e ampliado em 2021. Ele afirma que apesar do valor do subsídio ainda ser baixo - R$300 por hectare plantado, com limite de 10 hectares - o programa foi estopim para que o produtor catarinense passasse a considerar a plantação de inverno. “A gente vinha a cada ano perdendo área destinada ao trigo, nos últimos 10 anos estava declinando. Então esse programa do governo soou como um gatilho para que o produtor pensasse ‘opa, é um ganha-ganha, eu vou ganhar na conservação de solo, eu posso ganhar na venda do grão e eu vou ganhar com a cultura de verão, porque eu vou conservar melhor meu solo’, e o maior patrimônio do produtor é o solo”.

O aumento na atratividade do trigo para agricultores também fez com que Campos Novos, localizada na região oeste de Santa Catarina, voltasse a atingir os altos patamares de produção das suas safras de maior abundância. A cidade é a maior produtora do grão no estado, responsável por cerca de 10% da área plantada e, devido ao alto custo de plantio da cultura, entre 2014 e 2018 o município viu seus produtores de pequeno e médio porte desistirem de apostar no cereal entre os anos de menor cotação de preços de venda.

De acordo com Fabrício Jardim Hennigen, gerente de assistência técnica Copercampos, da cooperativa de Campos Novos, nesse período, para poder ter alguma rentabilidade com a colheita, o produtor precisava poder colher e manter os grãos armazenados, aguardando as altas do mercado, fator que inviabilizou as pequenas plantações. “O trigo é uma cultura de risco, podem acontecer chuvas no período de floração ou geadas, então quem plantava eram os produtores capitalizados, porque o custo de produção ficava muito próximo da rentabilidade, então a qualquer ameaça, (o produtor) precisava ficar esperando melhorar um pouco o preço para poder vender na alta, por isso quem plantava era o produtor capitalizado, que colhia o trigo e podia armazenar, esperando esses picos de preço durante o ano. O produtor pequeno, mais apertado financeiramente, que colhia o trigo no

final de dezembro e tinha que vender sempre pegava o menor preço”. Para a safra de 2022, a expectativa da Copercampos é receber 2 milhões de sacas de trigo, um percentual quase 43% maior se comparado ao ano passado, quando a cooperativa registrou a produção de 1,4 milhão de sacas. Cerca de 80% da área plantada pelos produtores associados à empresa já foi colhida.

Prejuízos com o milho e mercado internacional impulsionaram a produção de trigo em SC

Outra razão que fez os produtores catarinenses apostarem na produção de trigo no inverno foi o mau desempenho das safras de milho entre 2020 e 2021, afetadas pelas secas e pela ocorrência da cigarrinha-do-milho, praga que pode comprometer até 70% da produtividade do grão. Iury Borga, agricultor de Iomerê, cidade localizada no Meio-Oeste catarinense, foi um dos produtores que teve a plantação comprometida por esses fatores. Na safra 2020/2021 ele viu a produtividade média do milho cair de 240 para 78 sacas por hectare devido às doenças transmitidas pelo inseto. “É uma praga histórica da cultura do milho, mas aqui na região sul, ela nunca esteve presente com tanta intensidade. Então há dois anos atrás, quando foi o primeiro foco, ela pegou todos os produtores e até a equipe técnica um pouco desprevenida quanto a isso”, afirma Iury. Em todo o estado, a condição das secas aliada ao aparecimento da cigarrinha causaram perdas superiores a 27% na produção em relação à safra anterior (2019/2020), o que corresponde a cerca de 700 mil toneladas de milho.

Já na safra 2021/2022, a principal ameaça ao produtor foi a estiagem, que atingiu de forma mais severa as regiões do Meio e Extremo Oeste de Santa Catarina. Iury, que já tinha reduzido a área de 45 hectares para 43, sofreu mais uma vez com os impactos da seca na produtividade do milho, que fechou em 145 sacas por hectare. O percentual,  apesar de maior em relação à safra anterior, atingida pela cigarrinha, ainda foi muito abaixo do patamar médio de 240 sacas por hectare.

Diante das ameaças à produção da cultura, que tradicionalmente era o foco da região, o trigo se mostrou uma alternativa viável, e até lucrativa, para os agricultores do meio-oeste. “O milho, nesses últimos dois, três anos, apresentou uma série de complicações, então os produtores migraram para o trigo inicialmente como uma opção alternativa para eles terem uma maior segurança e logo o cenário acabou tendo preços positivos”, afirma Iury. O produtor, que aumentou sua área destinada à cultura do trigo em 50% nos últimos dois anos, conta que começou a produzir o grão como um teste, na safra de 2020/21, e hoje pretende expandir a área plantada com o intuito de equilibrar a produção entre milho, no verão, e trigo, no inverno. “Nesse último ano, a gente já tinha uma participação de 15 hectares de trigo, trigo e soja né, porque o cultivo é  subsequente, enquanto de milho ele estava na casa dos 40 hectares. A ideia é que para o próximo ano, a gente tente chegar ao mais próximo de uma divisão equivalente, com 50/50.”

Além das condições climáticas que afetaram a safra de verão, o cenário internacional na produção de trigo também favoreceu a cotação dos preços do grão, tornando-o mais atrativo para os produtores. Entre os principais acontecimentos externos que afetaram a perspectiva de oferta do trigo em 2022, a eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia e as consequentes incertezas sobre o escoamento da produção desses países foi um componente decisivo para o aumento da atratividade na produção do cereal. Juntos, esses dois países são responsáveis por 28,5% de todo o trigo comercializado no mundo. Em paralelo, a redução na área plantada na Argentina, principal exportador de trigo para o Brasil, e as más condições climáticas registradas na produção de inverno e primavera do cereal nos EUA, também impulsionaram o valor do grão no mercado internacional.


Por Barbara Schroeder