A premiação ocorreu durante o 33º Congresso da Adjori/SC, promovido de 3 a 5 de junho, em Itajaí. Foram conferidos troféus em categorias do Jornalismo, da Publicidade e da área acadêmica.

Nesta sexta edição do Prêmio Adjori/SC de Jornalismo, a categoria Reportagem Livre, mais uma vez, foi a mais disputada. Vinte e dois jornais estavam concorrendo ao prêmio, que foi conquistado pelo jornal Biguaçu em Foco, com matéria publicada em outubro de 2004, sobre um homem que está prestes a bater o recorde mundial no domínio de idiomas. Confira:

Este homem sabe 110 línguas e está a dois passos de alcançar o recorde mundial

Carlos Amaral Freire, 73, o maior poliglota vivo do Brasil, mora num sítio discreto na entrada do Morro das Pedras, Florianópolis. Seus vizinhos não imaginam que ele conhece nada mais nada menos que 110 idiomas.

Continuando nesse ritmo, em dois anos, Carlos Freire baterá um recorde mundial: o do ser humano que consegue traduzir mais línguas no mundo. Hoje tal recorde é atribuído ao cardeal italiano Giuseppe Mezzofanti (1774-1849), que comprovadamente conseguia traduzir 114 línguas. Como Freire estuda duas línguas por ano "de cabo a rabo" (como diz o povo), ele deverá estar entrando em seu 115º idioma em 2007. Freire é um discreto professor aposentado, avesso a badalações e nunca se "acha o tal", apesar que é o "tal". Pelo menos, a universidade britânica de Cambridge não o esqueceu quando fez a lista dos dois mil maiores intelectuais do século 20.

A honraria saiu em 2001. A prestigiada universidade enviou ao professor, via correio, o diploma "2000 outstanding Scholars of the 21st Century in honor and outstanding in the Field of Linguistis and Education" (Dois mil notáveis intelectuais do século 21 em honra e notabilidade no campo da Lingüística e Educação). Sobre essa honraria, ninguém sabe, nem foi manchete do jornal Nacional.
Freire é muito humilde. Nunca conta vantagem de sua inteligência prodigiosa, nem para corrigir a versão da imprensa de que um comerciante nascido na Libéria, país africano, mas de origem libanesa, Ziad Youssef Fazah, 50, é considerado o maior poliglota vivo no mundo.
Fazah, que é casado com uma brasileira e mora no Rio de Janeiro, fala 58 línguas. " Eu já emprestei muitos livros de línguas para ele. Quando ele viu minha biblioteca pela primeira vez, ficou fascinado. Ziah tem uma memória fantástica!", conta Freire.

Só para se ter uma idéia em comparação entre Ziad e Freire: em novembro do ano passado, o professor lançou um livro intitulado "Babel de Poemas", com 60 poesias escritas em 60 línguas diferentes. O livro tem a poesia original com a tradução de Freire ao lado num português impecável.

O leitor poderá estar perguntando-se: Freire realmente sabe falar, ler e escrever 110 línguas?
É claro que não. Ele sabe falar, ler e escrever fluentemente uns 30 idiomas. O restante sabe ler e escrever ou às vezes entende (se o nativo não falar rápido como um "manezinho" da ilha de Santa Catarina). No entanto, em todas as citadas línguas, o professor tem capacidade de traduzir para sua língua materna português qualquer uma das 110 línguas que estudou com ou pouco auxílio de dicionários. Daí o recorde que ele está para conquistar e poderia constar no Guiness.

O professor conta que às vezes ele esquece algum idioma, principalmente aqueles registrados em escritas exóticas. " Uma vez fui ler um texto em coreano e eu não me lembrava mais a escrita direito. Estudei o coreano 30 anos atrás e nunca mais tive tempo de estudá-lo porque estava envolvido no estudo de outras línguas. Então, peguei o manual, reli, estudei a escrita e em poucas horas, lembrei novamente a escrita. Consegui ler o texto", conta.
Freire é muito metódico no estudo dos idiomas. Estuda cientificamente em todos os aspectos. Começando pelo fonológico, entrando na gramática, memorizando vocabulário e testando a sintaxe. "Sempre começo estudando o sistema fonológico", salienta Freire que pronuncia bem os sons. Quando fala inglês, parece um norte-americano falando. Quanto ao português, pronuncia tão bem as palavras que nem parece ser um gaúcho (vale lembrar que os gaúchos em geral não pronunciam o "s" do plural nem conjugam certo a 2ª pessoa do singular.)
Carlos mora numa casa de dois andares com duas bibliotecas. Na do andar de baixo ficam os livros de línguas que o intelectual vem estudando e consultando mais. Na de cima está guardada a maioria de seus livros- 90% manuais de estudo de idiomas e literatura do mundo inteiro.

Na biblioteca do andar térreo, há um quadro em árabe que exprime exatamente a alma singular de Freire. Está escrito, segundo lê Carlos naquela tabuleta que o homem comum acha que é um monte de "cobrinhas amestradas" tal como parece a escrita árabe a primeira vista: "Ionain la yaîhaean talih zilm uu talih mel" (Há duas pessoas que jamais estarão satisfeitas: a que procura o conhecimento e a que procura o dinheiro."


Na biblioteca do andar de cima, encontram-se duas tábuas de madeira entalhadas em chinês e servindo de suporte às prateleiras. Na da direita, está escrito: "Dû gu rén shû" (Leia os clássicos). Na da esquerda, "gu tian sai sù" (Ser amigo dos sábios debaixo do céu).
Professor Freire explica que "debaixo do céu" significa "mundo", "terra", ou seja, a mensagem quer dizer que, enquanto vivemos neste plano, devemos embeber-nos do que tem de melhor da sabedoria divulgada pelos sábios da Terra.
As duas mensagens- em árabe e em chinês- exprimem a força interior que move Freire- não esgotar nunca sua "fome" por conhecimento (viver eternamente "insatisfeito" à procura de novas línguas), ler o que o mundo já produziu de bom, melhor e dignificante e ser amigo da sabedoria em todos os aspectos.
"Nunca pensei em dinheiro na minha vida. Minha vida foi movida pela vontade de apreender", observa Carlos.

Intelectual nasceu no Rio Grande do Sul e percorreu o mundo para estudar línguas

Carlos Amaral Freire nasceu em 27 de outubro de 1931, em Dom Pedrito, cidade gaúcha na fronteira com o Uruguai.
Freire despertou-se para as línguas muito cedo. Tinha um tio espanhol muito culto, que possuía uma vasta biblioteca, na qual havia muita literatura hispânica e italiana. "Eu me interessei em aprender italiano", conta Carlos, que cedo aprendeu espanhol por viver numa região de fronteira e escutar o "portuñol", um idioma híbrido de português e espanhol misturados com pitadas de gramática própria.
Em 1961, aos 30 anos de idade, formou-se na faculdade de letras neolatinas da Pontifícia Universidade Católica (PUC), do Rio Grande do Sul. Naquela mesma universidade, formou-se em 1966 em Letras Anglo-Germânicas.
Seu "curriculum vitae", tal como suas 110 línguas, é vasto. Resumindo-o (se isso for possível sem que não esteja faltando algo para contar sobre a vida desse singular homem), Carlos trabalhou como professor primário, secundário e universitário.
Começou como professor de português, espanhol, inglês e francês. À medida que foi aprendendo idiomas, Freire recebia convites para lecionar em universidades e trabalhar com intérprete. Trabalhou no governo do estado do Rio Grande do Sul e Petrobrás, entre outros lugares.
Tornou-se tradutor juramentado de 12 idiomas e conheceu o mundo devido às infinidades de bolsas de estudo que ganhou para fazer cursos em universidades de vários países do mundo.
Na Universidade do Texas (EUA), estudou lingüística; na Espanha fez pós-graduação em filologia românica. Aproveitou sua estadia na Espanha e fez um curso diferente do que estava habituado a fazer: "relações internacionais" na famosa Escola Diplomática de Madri.
Na Itália, ganhou uma bolsa para aprofundar-se no estudo da língua egípcia. Adorador do escritor russo Dostoievski, Freire estudou com afinco o idioma russo para lê-lo no original.
Por saber russo e chinês, Carlos acabou demitido da refinaria Alberto Pasqualini, situada em Canoas, perto de Porto Alegre (RS), onde ele trabalhava como intérprete.
Motivo: foi considerado "subversivo". Eram os anos 1970 e a ditadura militar no Brasil estava no auge. Vivia-se a rivalidade da "Guerra Fria" e o russo e o chinês eram considerados as línguas dos "comunistas".
Descobertas- Carlos saiu no Brasil e rondou o mundo fazendo cursos, participando de congressos lingüísticos. Entre 1980 a 1990, morou na Bolívia. Era o adido cultural da Embaixada do Brasil naquele país. Foi convidado a ser "Leitor". Esta palavra, muito usada no meio acadêmico, designa um professor estrangeiro que se transfere para uma universidade do exterior com o objetivo de lecionar curso de sua língua materna.
Freire foi ensinar português na Bolívia e lá aproveitou para pesquisar duas exóticas línguas indígenas daquele país- o Quetchua e o Aimara.
E Carlos deixou sua marca na biblioteca de lingüística mundial. Descobriu a semelhança fonológica das duas citadas línguas indígenas bolivianas com o georgiano, idioma falado na Geórgia, país que integrava a antiga União Soviética (1917-1991).
"A gramática do quetchua e aimara é próxima a da língua turca, do grupo ural-altaico", explica Freire.
Publicou seu estudo "Quetchua e aimara: Dos estúdios contrastivos" (1984), pela universidade de Sucre (Bolívia) em parceria com a embaixada do Brasil naquele país.
Isso quer dizer o seguinte para quem não é familiarizado com história e lingüística. Os índios da Bolívia são certamente descendentes do mesmo povo que séculos mais tarde deu origem aos turcos e aos georgianos, isto é, na antiguidade houve alguma migração de gente da Ásia que chegou à América. E um rastro disso Carlos descobriu comparando as línguas dos índios bolivianos com o georgiano e o turco.
Livros- Carlos publicou pouco. Apenas seis livros, o último dos quais uma coletânea de poemas traduzidos de 60 línguas. Este livro- "Babel de Poemas"- está nas livrarias desde novembro do ano passado. "Não é fácil conseguir publicar algo no Brasil", resume Freire.
Entre suas monografias, escritas em português ou em espanhol, está "La intraducibilidad de la poesia china" (1991), um estudo inédito sobre o tema.

Carlos traduz livro da esposa do ditador Milosevitch e sofre na guerra de Kosovo

Em 1998, Carlos Freire foi convidado a implantar o curso de português na universidade de Belgrado, capital da Iugoslávia. Lá saiu da rotina de leituras, estudos, trabalho mental silencioso da escrivaninha.
Logo estouraria a guerra do Kosovo ("Kosôvo", explica Freire, não "Kôsovo", como pronuncia o brasileiro).
Para quem não se lembra, "Kosôvo" era uma província da Iugoslávia que decretou independência. O presidente iugoslavo da época, Sloboban Milosevitch, não aceitou e mandou tropas para acabar com a independência. Estourou a guerra civil e os Estados Unidos e a ONU intervieram. Belgrado foi bombardeada.
Carlos estava lá quando estourou a guerra. "Os alunos que estava fazendo o curso de português não foram mais à aula por causa dos bombardeios", conta Freire.
Da sacada de casa, via as luzes dos bombardeios e da artilharia que, em vão, tentava acertar os aviões. " Os americanos bombardearam um prédio de 40 andares. O míssel atingiu o 25º andar, onde ficava a rádio da filha de Milosevitch. A bomba só destruiu aquela sala. Nunca vi tamanha precisão", conta Carlos.
"Desgraça pouca é bobagem. Um dia Belgrado sofreu um terremoto de manhã; à tarde do mesmo dia foi bombardeada", relata.
Não deu de agüentar o tranco, como diz o povo. Freire deu um jeito de cair fora daquele país rumo à Itália com medo de ser atingido pelos mísseis norte-americanos.
Antes Freire tinha sido convidado pelo governo iugoslavo para traduzir ao português o livro da esposa de Milosevic "Noc i Dan" (Noite e Dia, em serbo-croata, língua da Iugoslávia- que bela pergunta para o "Show do Milhão?!"). Fez o serviço, mas a tradução não foi publicada."Era para ter sido publicada lá, mas Milosevitch foi deposto", conta.
Macedônio- Na Iugoslávia, professor Freire estudou o "Macedônio", uma língua que não tem nada a ver com o grego, conforme alguns imaginam já que a "Macedônia" foi a terra natal de Alexandre o Grande.
"O Macedônio é uma língua eslava, parente do russo e do polonês", explica Carlos.
Freire foi entrevistado por um jornalista da Macedônia, província da Iugoslávia. O repórter perguntou se a entrevista podia ser em macedônio. O professor respondeu que ainda não porque havia começado a estudar essa língua havia poucos dias.
Um mês depois, o mesmo jornalista solicitou uma nova entrevista com o professor Freire.
- Agora o senhor pode me entrevistar em macedônio, disse Carlos em perfeito macedônio ao repórter, que ficou espantado com a rapidez com que Freire aprendeu aquela língua em tempo recorde.

Intelectual fala sobre algumas das línguas que estudou

Entre as 110 línguas que aprendeu, encontra-se o "Esperanto", idioma inventado por um médico de origem judaico-polonesa chamado Lazar Ludwig Zamenhof (1859-1917). " É uma língua brilhante. Só não se tornou hoje a língua internacional por causa de interesses políticos dos Estados Unidos e outros países do 1º mundo", explica.
Quando lecionou certa vez para uma turma de 4ª série primária, Freire experimentou ensinar Esperanto para ver o que dava. "A experiência foi frustrante porque as crianças não sabiam o que é substantivo, o que é adjetivo, advérbio", comenta.
Carlos conheceu pessoalmente Francisco Lorenz, um tcheco que imigrou para o Brasil no final do século XIX e veio morar no Rio Grande do Sul.
É de Francisco Lorenz a gramática de Esperanto mais popular vendida no Brasil (Freire aprendeu Esperanto com este livro). Lorenz notabilizou-se por ser um poliglota que sabia mais de 100 idiomas. Morreu na pobreza e sua biblioteca não contava mais do que 40 livros. O mistério: como conseguiu aprender 100 línguas? Os espíritas atribuem à mediunidade de Lorenz, isto é, traduzindo: aprendeu boa parte das línguas com auxílio dos espíritos (?). Lorenz morreu na década de 1950.
"Eu cheguei a visitar a casa dele. Era muito pobre. Era um homem notável", comenta Carlos. "Lorenz chegou a conhecer pessoalmente o inventor do Esperanto, o dr. Zamenhof, quando ele morava ainda na Europa", informa Freire.
Em vida, Lorenz publicou um livro intitulado "Diverskolora Bukedeto", no qual reuniu poesias de uma infinidade de idiomas traduzidas para o Esperanto. Este livro, publicado pela editora espírita, inspirou Freire a fazer sua antologia de traduções "Babel de Poemas", lançada em novembro passado por uma editora do Rio Grande do Sul.
Freire guarda em casa alguns manuscritos de Lorenz, entre os quais o início de uma gramática de chinês. "Veja a caligrafia desse homem: que capricho! Veja isso aqui. Ele escreveu em papel de embrulhar pão. Isso para se ter uma idéia da pobreza em que ele vivia. Que homem notável! Que inteligência!", observa o professor, que guarda como um tesouro os manuscritos de Lorenz dados a ele pela família do finado.
Chinês- Entre as línguas que mais chamaram sua atenção, Freire destaca o chinês. " É muito simples, no sentido lingüístico do termo. É uma língua simples em contraste com as indo-européias, por exemplo, que são línguas complexas. O chinês é extremamente conciso, não tem gêneros nem números gramaticais e o verbo não se conjuga. Simples não é sinônimo de fácil e, no caso do chinês, é antônimo. As estruturas simples tornam-se difíceis, confusas pois não sabemos como compará-las com as nossas."
Dentro das próximas semanas, professor Freire receberá, pelo correio, mais dois livros- manuais dos idiomas Lapão e do Tamasheq, que serão suas 112ª e 113ª línguas respectivamente.
O Lapão é a língua da Lapônia, região ao norte da Finlândia. " É a última língua européia que ainda não estudei. Com esta, terei completado todas as línguas da Europa", observa. Já o tamasheq é o idioma do povo berbere, que vive no deserto do Saara, norte da África.

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Endereço do poliglota Carlos Amaral Freire

Carlos Amaral Freire
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