Ausência de mecanismos de controle e denúncias de uso político do sistema são as razões alegadas pelo Governo Federal

Após três anos de vigência, o Fundo de Terras e da Reforma Agrária - Banco da Terra - vai ser extinto. Em seu lugar, \"criaremos outro programa que atenda a necessidade de crédito fundiário\", anunciou o secretário nacional de Reestruturação Fundiária, Eugênio Peixoto. As razões da suspensão do programa, segundo ele, são a falta de mecanismos de controle pela sociedade e pelo Governo Federal dos procedimentos do sistema e uma série de denúncias, vindas especialmente de Santa Catarina. \"Existem muitos documentos que mostram uma situação bastante preocupante no Oeste. Visitamos inúmeros agricultores que receberam cartas de crédito, confiando no financiamento e estão na expectativa. Nossa prioridade é atender esses agricultores frustados pelo Banco da Terra, que foram prejudicados. Vamos identificar quantos são e qual a necessidade de recursos?, conclui. Reunião marcada para 6 de março, em Florianópolis, deverá zerar a operação do banco da Terra em SC. ?Brasília nos informou que existem cerca de 600 casos de distribuição de cartas de crédito a agricultores não atendidos. Vamos ajudar o Governo Federal a levantar esses casos e a proceder a liberação dos recursos, pondo fim às pendências?, revelou o secretário da Agricultura, Moacir Sopelsa. ?Posteriormente, acredito que o Banco da Terra deve voltar a funcionar, ainda que com outro nome?. Reação contrária As federações dos trabalhadores na agricultura dos três estados do Sul estão unidas na defesa do programa. \"Podem mudar o nome, corrigir uma ou outra situação - nós mesmos temos algumas sugestões - o que não podem é acabar com a possibilidade de filhos de agricultores, meeiros e arrendatários terem a possibilidade de adquirir sua terra. Não somos contra a reforma agrária. Ela é necessária, mas filhos de agricultores, aqui do Estado, não vão para assentamentos\", enfatiza o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Santa Catarina (Fetaesc), Maurício Aristide Sobczak. A entidade está presente em 275 municípios, através de 231 sindicatos de trabalhadores rurais, representando 180 mil famílias de agricultores. Quanto às denúncias de distribuição política de cartas de crédito, ele observa que pode ter havido distribuição indiscriminada de cartas, mas a seleção é feita por um conselho composto por muitos setores da sociedade, dificultando a exploração política. \"De qualquer forma, qual programa, neste país, é perfeito? Até o Fome Zero, que tem nosso apoio, está sendo alvo de críticas\", diz. No Paraná a reação contrária deve-se ao balanço positivo do programa, segundo os dados do Panorama Brasil: 2,5 mil famílias de pequenos produtores rurais estão sendo beneficiado pelo Banco da Terra desde a implantação, em 1999. Isso garante o acesso de aproximadamente 12,5 mil pessoas à propriedade rural. O resultado é melhor que o obtido pelo Incra no período 2000/2001, quando foram assentadas 1.261 famílias. Impactos favoráveis Os defensores da manutenção do Banco da Terra, em SC, destacam: ? assentamento de agricultores numa área suficiente para gerar renda capaz de lhe propiciar o próprio sustento e o de sua família, conforme projeto técnico a ser elaborado pelos extensionistas rurais (da Epagri, das cooperativas conveniadas e das prefeituras), com assistência técnica e acompanhamento; ? geração de emprego e renda aos agricultores sem terra e sem os meios de produção; ? interiorização dos resultados econômicos e sociais do progresso, amenizando a pressão do êxodo rural e viabilizando a permanência do jovem agricultor no meio rural. Saiba mais Banco da Terra - História O projeto de lei escrito a quatro mãos, pelo então senador Esperidião Amin e pelo deputado federal Hugo Biehl, deu origem ao Fundo de Terras e da Reforma Agrária - Banco da Terra, instituído pela Lei Complementar 93, de fevereiro de 1998, e implantado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, com a finalidade de financiar a compra de imóveis rurais e a implantação de obras de infra-estrutura básica, aos empreendedores do campo. O Cédula da Terra, experiência piloto em Minas Gerais e quatro Estados do Nordeste, foi incorporado pelo Banco da Terra. Gerenciamento Conselho Curador do Banco da Terra, com participação dos Estados, Municípios e da comunidade, através das entidades de classe. Acesso ao Programa Trabalhadores que comprovem, no mínimo, cinco anos de experiência em atividade rural e que estejam, prioritariamente, organizados em cooperativas, associações ou condomínios rurais. O imóvel financiado é a garantia real do empréstimo. Critérios para seleção A seleção dos interessados leva em consideração a experiência no campo, renda mensal familiar bruta inferior a R$ 15 mil e patrimônio - urbano e rural - inferior a R$ 30 mil. Há ainda critérios regionais estabelecidos pelos conselhos municipais de agricultura. Os interessados passam pelo crivo do Conselho Municipal de Agricultura. A fila é cronológica. Negociação O próprio beneficiário escolhe e negocia, diretamente com o vendedor, a propriedade que deseja comprar para o desenvolvimento da atividade produtiva. Outros financiamentos Os beneficiários do Banco da Terra podem também obter financiamentos produtivos, associados à capacitação e assistência técnica, através do Pronaf (Programa Nacional de Agricultura Familiar). Os números no país Segundo os dados mantidos no site do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Conselho Curador do Banco da Terra aprovou, até o momento, recursos da ordem de R$ 864,8 milhões, os quais somados aos R$ 56,3 milhões oriundos de Acordos de Empréstimo com o Banco Mundial totalizam R$ 921,1 milhões, que proporcionarão o atendimento à cerca de 49.633 famílias de empreendedores rurais familiares, em aproximadamente 1,3 mil municípios do Brasil, por meio das 72 agências do Banco da Terra localizadas em todas as regiões do país. Os números em SC Segundo a Secretaria da Agricultura, foram contemplados com cartas de enquadramento no programa cerca de 6,5 mil famílias de agricultores catarinenses; destas 4.701 mil já encaminharam seus projetos técnicos de financiamento ao Banco e 4.077 foram liberados. ?Temos ainda outros 160 projetos prontos para o encaminhamento e 122 cartas aprovadas que faltam projetos técnicos?, informou o gerente de assuntos fundiários, Alacir Pereira Batista. O programa finaciou a compra de 52,6 mil hectares sendo investidos R$ 89,5 milhões. Opinão Odacir Zonta, deputado federal ?Somos defensores intransigentes da manutenção do Banco da Terra, que é o modelo mais democrático de reforma agrária. Não concorre com os demais modelos; é um aditivo à eles e com resultados importantes. Em SC foi a melhor contribuição à reforma agrária e essa experiência vem desde 1983, com o crédito fundiário. O Banco da Terra beneficiou mais de 4 mil famílias. E o mais importante: 98% dessas famílias estão em suas propriedades agrícolas. Um resultado incomparavelmente melhor do que o dos assentamentos feitos pelo Incra. Se há problemas é preciso corrigi-los, mas eles ainda são muitas vezes menor do que o de outros programas. Estamos convidando o Ministro e os demais responsáveis para debater a questão. Acho preocupante que o alto comando esteja nas mão do MST (Movimento dos Trabalhares sem Terra) que tem uma visão ideologizada do Banco da Terra?. Luci Choinacki: deputada federal Há muitas denuncias envolvendo o Banco da Terra, por isso ele deve mesmo ser extinto. Precisamos de programa que mude a realidade social do campo, que promova a inclusão social, e não de um programa para ser braço de fazendeiro, que eleva o custo da terra e deixa os movimentos sociais de fora do processo. Maurício Sobczak, presidente da Fetaesc O Banco da Terra foi uma conquista muito grande para SC, especialmente para a agricultura familiar e nossa federação, que representa 180 mil famílias de agricultores, foi a primeira entidade do gênero a apoiar o programa. As federações dos trabalhadores na agricultura dos três estados do Sul estão unidas na defesa do Banco da Terra. Hugo Biehl, ex-deputado federal e um dos autores do projeto que deu origem ao Banco da Terra ?As restrições ao projeto referem-se à quantidade de inscritos não atendidos, mas essa é uma circunstância de falta de verbas. E nós tivemos a chance de ter um grande volume de recursos, cerca de US$ 2 bilhões, que seriam liberados pelo Banco Mundial, e que foram suspensos por movimentações lideradas pelo MST, Contag e Partido dos Trabalhadores, na época, contrários ao empréstimo. Como o discurso do PT está mudando, em função da responsabilidade de governar para todo o país, é preciso que também mude com relação a este que é um dos mais eficazes projeto para assentamento e renda no meio rural, reconhecido internacionalmente como parâmetro de desenvolvimento agrário?