Há um ano Luis Carlos de Aguiar perdeu os pés e as mãos em um acidente durante o trabalho. A fatalidade mudou a maneira dele ver a vida

Texto: Priscila Noernberg - Jornal Correio do Norte/Canoinhas

Você tem as mãos e os pés? Se você tem, imagine não tê-los mais. Como seria a sua vida se você tivesse que depender integralmente de outras pessoas para tarefas simples como beber um copo com água? Há um ano o canoinhense Luis Carlos de Aguiar, 40 anos, perdeu os dois pés e as duas mãos. Mas, apesar de todas as dificuldades, ele agradece diariamente por estar vivo e por poder compartilhar a vida ao lado das pessoas que ama.  Nos últimos 12 meses Luis está reaprendendo a viver com suas limitações e conquistas.

No dia 17 de janeiro de 2015, a equipe dele foi até a localidade de Maratá, distante aproximadamente 20 quilômetros do centro de Porto União, para fazer reparos na rede elétrica da Celesc. O grupo trabalhava na Sicól. Depois de testar a rede para garantir que os cabos estivessem desligados, eles começaram o conserto da linha que havia sido danificada por causa da queda de um eucalipto. Nem mesmo Luis sabe como, mas durante o trabalho, a energia voltou a passar pelo cabo que ele tinha nas mãos: "Deu aquele clarão bem azul. Um barulho grande e senti o corpo como se estivesse derretendo. O corpo inteiro contraiu. Caí para trás. Olhei para os lados e vi os dois caídos". Orlando Tavares de Camargo e João Maria Pinto também se feriram no acidente. João perdeu as duas mãos e teve os pés mutilados. Orlando perdeu alguns dedos. Um dos companheiros que não se feriu no acidente conseguiu chegar até uma casa vizinha para pedir socorro.

"Eu pedi para tirarem as minhas botinas e já saiu a pele inteira. Ficou aparecendo os ossos. As mãos também derreteram e incharam. Ficaram pretas na hora. Minhas mãos estavam fervendo como se estivessem dentro de uma panela de pressão", lembra Luis.

Os momentos de angústia e aflição estavam apenas começando. Os três foram levados pelo Samu e pelo Corpo de Bombeiros ao Hospital de Caridade São Brás, de Porto União. A unidade, no entanto, negou atendimento a Luis alegando que não teria condições de receber os três ao mesmo tempo. Ele foi levado ao hospital regional de União da Vitória/PR. A dor era tanta que Luis "apagou". Ele ficou em coma por 10 dias. Acordou no Hospital Universitário de Florianópolis. Foi transferido para a capital em aeronaves depois da mobilização de dezenas de pessoas e de conseguir o direito na Justiça.

Amputações

Em Florianópolis, recebeu o acompanhamento de vários médicos e de outros profissionais. Somente quando retornou do coma, Luis soube que estava sem dois pés e uma mão. No hospital, tentaram salvar a mão esquerda, mas sem sucesso.

Luis relembra o momento em que a equipe falou sobre o seu estado de saúde. Depois que uma médica contou sobre a perda dos membros, Luis perguntou se algo a mais havia acontecido com ele. "Perguntei para ela: 'mais alguma coisa, doutora?'. Em vinte e poucos anos de serviço você sabe que pode ter acontecido algo a mais. E ela disse que não: 'você teve problema de rim lá [em União da Vitória]. Aqui o teu rim está funcionando bem. Você não teve nem uma queimadura, nada. Você está bom, está perfeito'. Daí eu disse assim: mas se é só isso, doutora, então eu agradeço a Deus e a vocês desde já por  terem me ajudado a ficar vivo. Nos pés eu coloco uma prótese e nas mãos também tem agora. Quando eu vi os meus pés e as minhas mãos quando aconteceu o acidente eu sabia que iria perdê-los. Não tinha como conseguir arrumar". Para tentar salvar a mão, os médicos queriam retirar o membro e colocá-lo embaixo da pele da barriga. A chance de o procedimento dar certo era de 20%. Luis não tentou porque o risco de infecção era alto já que as pernas e o outro braço não haviam cicatrizado ainda. "Quem perdeu três, perde quatro. Não vou deixar abrirem a minha barriga. Daqui a pouco eu pego uma infecção e eu morro por isso". No dia 7 de fevereiro a mão esquerda foi amputada. Vinte dias depois, ele recebeu alta.

Família

Depois de ter sobrevivido ao acidente, Luis teve que reaprender a viver com suas limitações e para isso vem contando com o apoio de familiares e amigos. A esposa Simone é quem faz a diferença. Ela concede vida ao marido. É a Simone quem auxilia nas tarefas simples do dia a dia como tomar água, comer, ir ao banheiro, tomar banho. "Antes eu trabalhava e ia para lá e para cá. Agora é praticamente 24 horas para ele. Mas o mais importante para mim é ele estar aqui", conta Simone, que deixou de trabalhar para cuidar do marido. "Eu pedia a Deus que não importasse o jeito que ele voltasse para casa, eu queria ele vivo e da maneira que fosse iria cuidar dele". Eles estão casados há 22 anos. E o que mudou na relação dos dois? "O amor que sentia por ele só aumentou", confessa a esposa. "O respeito também", completa Luis.

Com o acidente, Luis percebeu que, embora soubesse que podia contar com a família, "eles sempre dão um jeito de se superar. A família é uma coisa incrível". Luis aprendeu que as verdadeiras amizades fazem diferença em sua vida, com direito a amigo ajudando a dar banho nele. A relação com a filha Malena, de 20 anos, também mudou. Por causa do trabalho, antes ele saia quando ela nem tinha acordado e só voltava para casa quando a jovem estava na aula. "Ela só estava deitada quando via ela. Hoje eu posso conversar com a minha filha", celebra. Malena precisou sair do emprego para ajudar o pai no início da recuperação. A estudante de Magistério agora procura um trabalho.

Aposentadoria

Vizinhos e amigos fizeram pastelada e bingo para arrecadar dinheiro para Luis. Ele não processou a empresa onde trabalhou por mais de duas décadas: "não quero dinheiro, quero as minhas mãos". A Sicól doou para ele as duas próteses inferiores (cada uma custou R$30 mil). Luis aguarda ansioso pelas mãos que custam aproximadamente meio milhão de reais.

Depois de muita luta, Luis conseguiu a aposentadoria pela Previdência Social. Mas para conquistar seu direito, passou por vários momentos de constrangimento. Somente para citar alguns: mesmo a esposa tendo uma procuração judicial, ele precisou ir ao banco para comprovar que o descrito no documento era verdade. Na agência, a atendente chegou a solicitar que ele assinasse um documento! Durante a perícia, a médica perguntou para Luis se ele realmente tinha perdido as mãos e os pés. "Em muitos momentos eu fiquei desesperada com a atitude das pessoas", revolta-se Simone.

Tratamento

Luis recebeu todo o atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em Canoinhas, a prefeitura disponibilizou um enfermeiro durante os dias de semana para fazer curativos. "Foram quatro meses até cicatrizar tudo. O curativo demorava duas horas e meia pra ser feito", conta.  Aos finais de semana, a empresa bancava o profissional. Até hoje Luis faz fisioterapia em casa para recuperar os movimentos.

Em outubro, ele viu sua vida começar a se transformar novamente com a possibilidade de usar próteses. Fez alguns testes, mas como a pele ainda estava muito sensível, precisou esperar até dezembro - quando finalmente começou a caminhar. Luis ainda está se adaptando.

Muito trabalho, pouco lazer

O acidente fez Luis perceber que deu valor demais ao trabalho. "Não tinha hora para chegar ou sair. Vivia só para o trabalho e depois do que aconteceu percebi que você precisa trabalhar para sobreviver, mas não sobreviver para trabalhar. Sempre gostei de trabalhar, mas deveria ter aproveitado um pouco mais", argumenta. Ele atuou por mais de duas décadas na empresa e, por causa das atividades, destinava pouco tempo para a família. Em sua recuperação, Luis tem a companhia dos afilhados Kadu, Felipe e Lais. As crianças são enlevo para ele.

E na valorização dos pequenos detalhes do cotidiano, Luis está recomeçando. Tanto que dia 17 foi o aniversário da nova vida dele. "Me sinto muito bem como estou hoje. Como diz a minha esposa: 'amor, você poderia ter ficado com uma mão'. Por dez segundos eu ficaria com uma mão só. Por dez segundos eu levei a outra mão. Por estar com uma mão só [nos cabos], poderia entrar por uma mão [a energia] e sair nos dois pés e causar queimadura interna. Poderia atravessar a energia de um lado para o outro e causar as queimaduras internas. Então eu vejo que para mim está bom assim. Eu dou valor para a minha vida agora. Agradeço a Deus toda noite por ter me deixado vivo e junto com a minha família".