Boas ideias: ?Contagiar leitores é um gesto de amor?
Quem nunca se imaginou em um castelo, à espera do príncipe encantado que salvaria da bruxa má? Ou então derrotar mil piratas e salvar a ilha encantada? Cada um de nós, em algum momento da vida, já se viu num conto de fadas.
Pensando em estimular a leitura, usando o mundo mágico dos contos de fadas e histórias infantis, a educadora Vera Lúcia Dias de Oliveira desenvolveu em uma creche, dentro da Universidade Federal de Campina Grande-PB, o projeto Contagiar, com o objetivo de iniciar um trabalho de criação de histórias com começo, meio e fim, organizando assim o pensamento lógico das crianças e ao mesmo tempo iniciá-las no universo literário.
Vera estimula a leitura entre as crianças colocando os pequenos dentro das histórias que estão sendo lidas. “Esta foi uma das formas que encontrei para introduzir as crianças no mundo literário. Existem outras que elas adoram, como falar com personagens de contos de fadas ao telefone de brinquedo, com caixa, quadro, museu, filmes, teatro, CD, passeio, objetos, livros ou qualquer outra coisa que desperte a curiosidade da criança. Abre-se um leque de sonhos e imaginação para elas”, conta.
A educadora explica que, de acordo com estudos realizados por especialistas, os contos de fadas são os mais indicados para ajudar no desenvolvimento da criança, pois, ao estimular a imaginação desenvolve-se o intelecto, harmonizam-se suas ansiedades e tornam claras suas emoções. “Quando as crianças deixam a Unidade de Educação Infantil – UEI, saem contagiadas com o mundo real e da fantasia”, garante.
De acordo com a educadora, encontrar formas de encantar um leitor não é meta só da educação infantil, deveria ser do ensino fundamental, médio e também do superior, já que o estímulo que alguns estabelecimentos de ensino dão aos leitores deixa a desejar. O que acontece, ainda, é o aluno ler os livros indicados pelos currículos de ensino e os professores cobrarem a leitura em provas e resumo sobre o livro lido. Mudar essa prática e encontrar novas possibilidades de encantar os alunos é função do educador. “Ainda não alcançamos um país de leitores, mesmo com tantos escritores e livros impressos a cada ano”, afirma.
Para Vera, um professor contagiado pelo universo literário contagia seus alunos para o resto de suas vidas. Todo trabalho desenvolvido por ela é baseado em pesquisas comprovadas. “Segundo estudos do psiquiatra e psicoterapeuta francês Philippe Greig, especializado em crianças, a leitura do mundo se dá através de estímulos auditivos desde a fase intrauterina. Ao nascer, a criança passa a adquirir contato com imagens coloridas, objetos, contatos afetivos, tato, sons, conquistando sua linguagem. Quando chega à escola, ela sabe contar histórias, relatar fatos e experiências. Porém, esta habilidade ainda está longe da riqueza e diversidade que ela encontra na escola ao interagir com o outro, com os objetos, livros e os conteúdos próprios da educação infantil”, explica.
Vera garante que o desenvolvimento pedagógico e os meios utilizados para uma aprendizagem significativa são pontos de partida para formar crianças competentes, leitoras, contadoras de histórias, escritoras, poetisas, artistas, pintoras, escultoras. “Só alcançaremos esses objetivos através da interação com o mundo e com diversos portadores do universo linguístico. E é isso que propomos com nosso projeto”, diz.
Para ela, conhecer as características do desenvolvimento afetivo, cognitivo, físico e social da criança é de suma importância para o educador, podendo assim identificar e acompanhar suas etapas. Dessa forma, ele será capaz de perceber os seus sentimentos, desejos, gestos, emoções, pensamentos, alegrias, opiniões e questionamentos diante de situações do cotidiano.
A aproximação com o aluno e a literatura torna-se prazerosa, afetiva, aumenta a intimidade, compartilha dificuldades e avanços, troca experiências, promovendo momentos maravilhosos que favorecem sua formação. “Ao descobrir o mundo da linguagem, a criança passa a fazer parte de seu universo, através de livros músicas, poesias, cordéis, gibis, outdoor, bem como brincadeiras populares e jogos como trava-língua, pinturas e arte popular. Esse universo não pertence apenas às crianças, pertence também aos jovens e aos adultos, pois, ao ler um livro, assistir a uma peça de teatro, um filme ou ouvir uma música, a fantasia se funde a realidade e as experiências vividas passam a ter sentido”, explica.
Vera afirma que de certa forma o universo linguístico, como a literatura infantil, os contos de fadas, a poesia, as histórias em quadrinhos, filmes ou o faz de conta são uma necessidade vital para a criança, é o começo de sistematizar a imaginação, a fantasia, favorecendo o conhecimento de si, do outro, do universo do qual ela faz parte e age sobre ele, bem como a construção e reformulação de conceitos durante toda a infância. “Não há atividade humana que se constitua sem linguagem, sem as histórias passadas de geração a geração e sem a cultura que cada indivíduo possui para agir no mundo”, completa.
O Estímulo - Além das várias atividades realizadas na creche, o projeto estimula a leitura através do “Kit Contagiar”, que faz parte do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), reconhecido pelo governo federal como Ponto de Leitura, e passará a fazer parte da rede Biblioteca Viva. Essa extensão do projeto Contagiar tem como objetivo disseminar a leitura às crianças, jovens e adultos do bairro da Liberdade, em Campina Grande-PB e aproximá-los do universo literário.
“Deixo em uma casa com um leitor uma caixa decorada contendo livros, gibis, CDs, DVDs e cordéis. Esse leitor fica encarregado de ler e emprestar o conteúdo do kit para os vizinhos e amigos. A cada 15 dias fazemos uma sabatina das leituras e listamos o recheio do novo kit e verificamos as fichas de controle de livros de cada leitor. Em seguida nos reunimos para uma roda de leitura, sarau poético e contação de histórias. Conversamos sobre os livros, os escritores, poetas, ilustradores, as histórias lidas e as que gostariam de ler. O kit é trocado quando os leitores envolvidos leem todos os livros, geralmente a cada três meses. A cada encontro contagiamos novos leitores”, conta.
De acordo com Vera, nesse sentido a leitura passa a ser prazerosa, cria um vínculo afetivo com a linguagem oral, escrita, visual e corporal. E o leitor passa a contagiar outros leitores para o universo linguístico.
Para Vera, disseminar a leitura é um ato de amor, porque universaliza o saber e passa de geração a geração. Além disso, aproxima os leitores de todas as faixas etárias e amplia o círculo de amizades e a afetividade. “Precisamos estar cientes do papel que desempenhamos na educação e contribuir com uma aprendizagem significativa e cidadãos conscientes para agir, desenvolver, formar e reformular conceitos e interagir no meio. Contagiar um leitor já é o suficiente, pois um leitor contagiado contagia outros. Por outro lado, estimular leitores a viajar no universo literário é apaixonante e isto é comprovado quando eles, ao contar uma história lida, revelam o fascinante mundo mágico. Um mundo que nos ensina, nos diverte e amplia nossos desejos e sonhos, bem como nos estimula a continuar a viajar no universo linguístico e literário. Isso é gratificante”, finaliza.
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