

-
. (Fotos: Divulgação)
Conheça os detalhes da prática criminosa, relato de vítimas e a ação que levou à detenção dos envolvidos
O golpe do falso advogado, que vem se espalhando pelo país e colocando em risco a confiança no sistema jurídico, já começa a enfrentar reações concretas em Santa Catarina. Graças à força-tarefa Contragolpe da Ordem, articulada pela OAB/SC, operações recentes da Polícia Civil resultaram em prisões e apreensões contra quadrilhas que usavam indevidamente o nome de advogados para enganar vítimas e obter transferências via Pix.
Apesar de não ter um marco inicial preciso, esse golpe — que também representa um golpe contra todo o sistema de justiça — ganhou força nos últimos anos, acompanhando o avanço da tecnologia. Criminosos aproveitam ferramentas digitais e o acesso a dados públicos para dar um ar de legitimidade às fraudes, tornando-as ainda mais difíceis de identificar. O problema é tão sério que, segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por meio de dados da agência Lupa, já foram registrados 17,5 mil casos do tipo no país.
CONTRAGOLPE DA ORDEM JÁ MOSTRA RESULTADOS
A reação institucional ao chamado “Golpe do Falso Advogado” já começou a dar frutos. Nesta quarta-feira (20), foi deflagrada a Operação Lex Falsa, em conjunto pela Polícia Civil de Santa Catarina, OAB Santa Catarina e Poder Judiciário, resultando no cumprimento de 66 ordens judiciais, entre elas 27 mandados de busca e apreensão e 12 mandados de prisão em seis estados brasileiros.
O avanço, amplamente divulgado pela mídia nacional, é reflexo também da aproximação institucional firmada no início deste ano. Em abril, o presidente da OAB/SC, Juliano Mandelli, e o diretor executivo da Seccional, Thiago Degasperin, estiveram reunidos com o delegado-geral da Polícia Civil de Santa Catarina, Ulisses Gabriel, para solicitar parceria na ampliação e disseminação da força-tarefa Contragolpe da Ordem.
“Essa operação mostra que estamos vigilantes e que não vamos permitir que a advocacia e a confiança da sociedade na Justiça sejam descredibilizadas. A parceria com a Polícia Civil, sob a condução do delegado-geral Ulisses, tem sido fundamental para fortalecer essa frente de combate”, afirma Mandelli.
A operação, realizada em Joinville pela Delegacia de Combate a Estelionatos da Polícia Civil de Santa Catarina, em parceria com o Núcleo de Inteligência e Segurança Institucional do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (NIS/TJSC), teve como alvo um grupo criminoso que se passava por advogados e aplicava golpes na cidade.
Para a presidente da OAB Joinville, Janaína Silveira Soares Madeira, a ação representa um avanço significativo e coletivo: “A Operação Lex Falsa, realizada em Joinville, demonstra a importância da atuação conjunta da OAB, Polícia Civil e Poder Judiciário. Advogados da nossa cidade e seus clientes são vítimas, além de todo o sistema de justiça. Esta ação mostra que estamos firmes no combate a essas fraudes em todo o estado.”
O GOLPE EM DETALHES
O golpe segue um roteiro quase sempre idêntico. Tudo começa com um número de telefone desconhecido, mas cuja foto de perfil e nome simulam um escritório de advocacia — em alguns casos, até a imagem do próprio advogado (também vítima) é usada indevidamente.
Os criminosos vasculham sites de Tribunais de Justiça em busca de processos públicos, identificando clientes que têm valores a receber. Com esses dados em mãos, entram em contato utilizando jargões jurídicos e narrativas convincentes, fingindo ser os advogados originais ou seus representantes.
Frases como “melhoramos nossa estrutura, este é o novo número” ou “nossa secretária entrará em contato sobre seu processo” são comuns para justificar a mudança de contato.
Para dar veracidade, são encaminhados documentos falsificados, contendo:
Brasões da República e timbres oficiais de Tribunais;
Cópias forjadas de sentenças ou despachos judiciais;
Tabelas de cálculos supostamente feitas por peritos;
Ofícios de liberação de valores assinados por juízes ou servidores — muitas vezes reais, mas com identidades indevidamente utilizadas.
O enredo leva, inevitavelmente, à cobrança de uma “taxa” inesperada para liberar valores que o cliente aguarda. A urgência é sempre enfatizada: os golpistas alegam que, sem pagamento imediato, os valores seriam bloqueados ou retornariam aos cofres públicos. O dinheiro é solicitado via PIX ou depósito bancário para contas de terceiros — geralmente pessoas físicas ou empresas de fachada. Após a transação, o contato é interrompido e a vítima é bloqueada.
O LADO CRIMINAL E O PERFIL DOS GOLPISTAS:
Os golpistas que aplicam o “falso advogado” atuam em rede, com estrutura profissional e ramificações interestaduais. Em muitos casos, há núcleos especializados em cada etapa da fraude: captação de dados, contato com a vítima, falsificação de documentos e recebimento dos valores.
Em 2024, a OAB Santa Catarina já registrava denúncias e monitorava casos do Golpe do Falso Advogado. Em fevereiro daquele ano, a Polícia Civil catarinense, em parceria com a do Ceará, deflagrou uma das fases da Operação Falso Advogado, cumprindo 57 mandados na Grande Fortaleza. A investigação revelou mais de 30 vítimas e prejuízos superiores a R$ 300 mil.
UM CONTRAGOLPE PARA O GOLPE
Em fevereiro de 2025, a OAB/SC lançou o Contragolpe da Ordem, uma força-tarefa inédita de combate ao golpe do falso advogado. O anúncio ocorreu durante a 1ª Sessão do Conselho Pleno da Seccional, no dia 21 de fevereiro, e marcou um novo patamar na reação institucional contra o crime. A operação é dividida em quatro frentes: medidas de proteção, recebimento de informações com apoio aos escritórios, suporte jurídico à advocacia e um núcleo de inteligência de dados para auxiliar as autoridades na responsabilização criminal dos estelionatários.
O foco é atingir diretamente a engrenagem dos golpes, que têm como alvos cidadãos com processos na Justiça. “Essa é uma frente de atuação direta da OAB com as autoridades, em que vamos reunir provas e indícios, atender advogados e advogadas, além de orientar a população e nossos clientes”, afirmou o presidente da OAB/SC, Juliano Mandelli.
Os trabalhos são conduzidos pela Frente de Combate a Fraudes contra Escritórios de Advocacia, liderada pelo diretor executivo Thiago Degasperin.
“Esse é um problema grave, que atinge tanto a sociedade quanto a advocacia. Por isso, teremos ações preventivas para que os colegas protejam seus dados, além de proporcionar suporte jurídico à advocacia catarinense para responsabilizar criminalmente os envolvidos nessas fraudes”, reforçou Degasperin.
No site da OAB/SC, foi criada uma página exclusiva com todas as informações da operação (acesse aqui), que também detalha o passo a passo para a atuação.
O GOLPE EM SANTA CATARINA — CASOS REAIS
A promessa era simples: a liberação de um processo de auxílio-acidente que tramita na Justiça Federal de Criciúma. Do outro lado da linha, alguém que se apresentava como a advogada do caso e mostrava documentos aparentemente verdadeiros. Foi o suficiente para conquistar a confiança.
O golpe veio em seguida. Para liberar o valor, era preciso pagar uma taxa em tabelionato. Sem pressão, mas com a certeza de que se tratava de um procedimento legítimo, a vítima fez a transferência: R$ 5.783,00.
A farsa só foi descoberta quando outro contato, também criminoso, apareceu confirmando todos os dados e pedindo mais dinheiro para “resolver pendências”.
Além do prejuízo, ficou o impacto na vida real. “Financeiramente tive que controlar gastos e adiar alguns projetos. Emocionalmente a gente fica abalado, pensativo e desestruturado”, contou a vítima, que não será identificada.
“ELE FALOU O NOME DO MEU ADVOGADO E ERA A FOTO QUE EU TINHA SALVA NO CONTATO DELE”
O golpe do falso advogado não se restringe a uma região: casos foram registrados em várias cidades de Santa Catarina, e dois deles no Oeste do estado mostram como a fraude tem se tornado sofisticada e prejudicial para as vítimas.
Em um dos casos, um morador recebeu uma mensagem pelo WhatsApp. “Ele falou o nome do meu advogado e era a foto que eu tinha salva no contato dele”, contou a vítima. O golpista alegou que os atrasados da aposentadoria estavam liberados, mas era preciso pagar o imposto de renda. A mensagem chegou perto das 18h, e ainda disse que o fórum estava prestes a fechar. A vítima transferiu R$ 9.000,00, mas só percebeu o golpe quando o valor não entrou na conta. “Já estava com dificuldades financeiras e fiquei ainda mais. Emocionalmente, me senti enganado”, relatou. O caso foi registrado em boletim de ocorrência.
Outro morador da região, caminhoneiro, quase caiu no mesmo golpe. Um contato telefônico usou o nome do advogado responsável pelo seu processo e informou que havia um valor disponível, condicionado ao pagamento de uma taxa. “Estava na estrada e quase depositei R$ 20.000,00”, disse. Por sorte, entrou em contato com o escritório antes de fazer qualquer transferência e evitou o prejuízo, mas ficou abalado emocionalmente.
Os advogados alertam que os golpistas usam fotos de perfis, dados de processos e números de OAB para dar credibilidade às fraudes. A orientação é sempre procurar pessoalmente seu advogado ou por canais oficiais antes de qualquer pagamento. Quanto à recuperação dos valores já pagos, as chances são mínimas. “Segundo o delegado, é muito difícil encontrar os fraudadores”, explicou um dos advogados.
TRÊS VEZES ALVO: O RELATO DE UMA ADVOGADA VÍTIMA DO GOLPE
Uma advogada de Chapecó - cujo nome não será identificado - viveu na pele a ameaça do golpe do falso advogado, sendo alvo três vezes em pouco tempo. Felizmente, nenhum de seus clientes chegou a sofrer prejuízos, mas o episódio serve como alerta para toda a classe.
“Imediatamente comecei a comunicar os clientes, alertando sobre o golpe e reiterando que o número de celular do escritório e o meu particular não haviam mudado”, relata.
A primeira medida tomada sempre foi a comunicação direta e rápida com os clientes, reforçando os canais oficiais do escritório.
Além disso, ela registrou boletins de ocorrência, denunciou os números fraudulentos ao suporte do WhatsApp e consultou os processos judiciais dos clientes que foram contatados, tentando identificar quem havia acessado os autos recentemente. Em uma tentativa de reverter transações, buscou acionar o MED (Mecanismo Especial de Devolução) da instituição financeira, mas encontrou dificuldade devido ao banco ser digital e não ter canal apto para a solicitação.
A advogada alerta para o impacto que esses golpes têm na imagem da classe: “Esse tipo de golpe abala a confiança dos clientes e da própria sociedade em nossa classe. Mesmo quando explicamos que não somos nós que aplicamos o golpe, sempre fica uma dúvida quanto à nossa idoneidade e desperta medo nas vítimas.”
Para outros advogados, ela recomenda atenção redobrada às redes sociais, que servem de fonte para os criminosos acessarem dados pessoais, e o uso constante de ferramentas de verificação e proteção. “Alertar os clientes regularmente sobre a forma como os golpistas abordam é essencial. Isso os deixa mais preparados e cautelosos no momento da abordagem dos criminosos”, reforça.
Em um dos episódios, a ação rápida da advogada evitou que uma cliente caísse no golpe. “A cliente estava mantendo conversa com o golpista e me questionou sobre os documentos que ele havia enviado. Expliquei sobre a falsidade e conseguimos evitar qualquer prejuízo”, conta.
O relato mostra que, embora a ameaça seja constante e sofisticada, a prevenção, a informação e a comunicação direta podem salvar clientes e preservar a credibilidade da advocacia.
COMO AGIR DIANTE DO GOLPE DO FALSO ADVOGADO
Estão usando meu nome para golpes. O que fazer?
Realize o MED (mecanismo especial de devolução) junto à instituição bancária em que foi depositado o valor.
Registre um boletim de ocorrência imediatamente, preferencialmente na Delegacia de Crimes Cibernéticos.
Comunique a OAB/SC pelo canal oficial do Contragolpe da Ordem para que sejam adotadas medidas institucionais, emitidos alertas à advocacia e ao público, e acionadas as autoridades competentes.
Notifique bancos e instituições financeiras caso identifique movimentações suspeitas em seu nome.
Solicite a remoção de conteúdos fraudulentos por meio de denúncias nas redes sociais ou de ofícios encaminhados às plataformas de internet.
COMO O CLIENTE PODE SE PROTEGER DO GOLPE
1. Verificação de Identidade
Confirme a identidade do advogado antes de qualquer pagamento.
Desconfie de contatos inesperados solicitando transferências, especialmente via PIX.
2. Pagamentos e Custas Processuais
Efetue pagamentos apenas por guias oficiais (GRU, DARF, DARE, etc.).
Solicite o detalhamento da cobrança e confirme diretamente com o advogado ou o escritório antes de transferir valores.
Desconfie de solicitações urgentes ou fora do horário comercial.
3. Canais de Comunicação Seguros
Utilize somente canais oficiais do escritório.
Evite confiar em mensagens enviadas de e-mails genéricos, como @gmail.com ou @hotmail.com.
4. Reconhecimento de Tentativas de Golpe
Desconfie de mensagens alegando haver valores a liberar mediante pagamento de taxas.
Não compartilhe informações pessoais ou bancárias sem confirmar diretamente com o advogado.
Verifique a autenticidade de documentos no Cadastro Nacional dos Advogados (CNA).
5. Medidas em Caso de Suspeita ou Fraude
Não efetue pagamentos antes de confirmar a veracidade da solicitação.
Registre o boletim de ocorrência imediatamente.
Informe o banco para bloqueio ou reversão de transações suspeitas.
CONFIRMADV: VERIFICAÇÃO RÁPIDA CONTRA O GOLPE DO FALSO ADVOGADO
Como parte da campanha nacional de prevenção a golpes, a OAB Nacional lançou o ConfirmADV, ferramenta on-line que permite verificar, em poucos minutos, se um advogado está regularmente inscrito na Ordem.
O procedimento é simples: o cidadão informa o número de inscrição, o estado de registro e o e-mail fornecido pelo suposto advogado. O sistema envia uma solicitação automática para o e-mail cadastrado na OAB, e o profissional tem até cinco minutos para confirmar a identidade.
Se a resposta não ocorrer no prazo, o solicitante é informado de que a verificação não foi concluída.
Tentativas de golpe ou pagamentos indevidos podem ser denunciados pelo site https://fiscalizacao.oab.org.br, que direciona o caso para a seccional responsável.
AMEAÇA SILENCIOSA
O golpe do falso advogado não é apenas um crime de estelionato: é uma ameaça silenciosa que rouba dinheiro, destrói reputações e corrói a confiança na Justiça. Em Santa Catarina, a OAB/SC transformou a indignação em ação, criando mecanismos para proteger a sociedade e blindar a advocacia.
Cada denúncia feita, cada alerta compartilhado e cada cidadão informado representam uma barreira a mais contra os golpistas.
Tags
- Criminosos
- Golpe
- OAB
- PIX
Deixe seu comentário