STF formou maioria para responsabilizar plataformas por postagem de usuários

Por meio de suas redes sociais, o jurista André Marsiglia, ferrenho defensor da liberdade de expressão,  analisou a tese final do STF para regulação das redes sociais, após o julgamento encerrado nesta quinta-feira, 26. Por 8 votos a 3, a Suprema Corte decidiu que redes podem ser responsabilizadas por posts de usuários. Acompanhe a e avaliação de Marsiglia sobre o voto de cada ministro e as considerações jurídicas sobre a decisão da Corte: 

 Como votou cada ministro do STF sobre a regulação das redes sociais?

A seguir, apresento os votos, em ordem do mais ao menos censório, com foco nos aspectos que afetam diretamente o regime jurídico da liberdade de expressão, a segurança jurídica das plataformas e o devido processo legal.

Alexandre de Moraes

•Defende responsabilidade objetiva das plataformas por conteúdo impulsionado, recomendado, moderado ou veiculado por robôs.
•Fala em dolo eventual e assunção de risco por parte das redes.
•Equipara redes sociais a meios de comunicação tradicionais.
•Impõe uma série de obrigações: transparência algorítmica, representação legal no Brasil, identificação de conteúdos impulsionados.
•Aponta ANATEL e TSE como autoridades fiscalizadoras.

Resumo: Modelo maximalista e intervencionista, que desloca o controle do Judiciário para plataformas privadas. Risco concreto de censura automatizada e silenciamento político.

Dias Toffoli

•Voto mais abrangente: propõe responsabilidade objetiva em todos os casos, inclusive por moderação e recomendação.
•Cria a categoria de “plataforma jornalística”, sujeita à Lei do Direito de Resposta.
•Impõe obrigações amplas de transparência, códigos de conduta e vigilância sobre riscos sistêmicos.
•CNJ seria a autoridade competente para fiscalizar.

Resumo: Defende um modelo de controle judicial e normativo centralizado. A censura passa a ser presumida como legítima, mesmo sem contraditório.

Luiz Fux

•Presume a ilicitude de conteúdos patrocinados, com responsabilidade objetiva.
•Fala em dever de monitoramento ativo para discursos como ódio, apologia ao golpe, etc.
•Não define autoridade reguladora nem detalha deveres operacionais.

Resumo: A responsabilização por conteúdo patrocinado ilícito já está prevista em lei. O voto se torna problemático ao exigir que plataformas monitorem ativamente temas politicamente subjetivos, criando um ambiente de censura prévia.

Flávio Dino

•Cria a ideia de “falha sistêmica” como gatilho para responsabilizar redes, com base no CDC.
•Mantém o Art. 19 para crimes contra a honra.
•Impõe deveres de notificação, relatórios e autorregulação fiscalizada pela PGR.

Resumo: Troca a análise do caso concreto por uma responsabilização estrutural ampla. Incentiva plataformas a censurar em massa para evitar litígios.

Cristiano Zanin

•Diferencia provedores ativos (responsáveis) e neutros (protegidos pelo Art. 19).
•Também adota a tese da falha sistêmica.
•Cobra sistema de notificações, devido processo e educação digital.
•Defende criação de órgão privado de autorregulação.

Resumo: Modelo híbrido com regras complexas e de difícil aplicação. Amplia deveres sem oferecer clareza jurídica, e a dúvida sempre pende contra a liberdade.

Gilmar Mendes

•Cria um regime especial de responsabilidade solidária em crimes graves.
•Reconhece exceções em caso de interpretação razoável.
•Exige medidas robustas de transparência, sistema de notificações, representante legal, repositório de anúncios.
•Indica a ANPD como autoridade reguladora.

Resumo: Embora mais técnico, aprofunda a tendência de judicialização difusa do discurso.

 Luiz Roberto Barroso

•Responsabilidade subjetiva sem notificação apenas para anúncios e impulsionamentos.
•Mantém o Art. 19 para crimes contra a honra.
•Defende dever de cuidado limitado a ações coletivas e crimes gravíssimos.
•Propõe entidade multissetorial como reguladora (cita o http://CGI.br).

Resumo: Modelo moderado, mas que ainda valida exceções subjetivas à regra legal. Mas, mesmo exceções abertas pelo STF criam zonas de insegurança jurídica para o discurso.

André Mendonça

•Único voto que mantém integralmente
o Art. 19 do Marco Civil.
•Exige decisão judicial para remoção de conteúdo, inclusive nos crimes contra a honra.
•Defende a liberdade de expressão como valor fundante.
•Fala em aplicação equitativa dos termos de uso, mas rejeita regulação sem lei.
Resumo: Posição garantista e constitucionalmente fiel. É o único voto que resiste à tentativa de transformar plataformas em agentes censores

Nunes Marques

vota pela constitucionalidade do Marco civil, alinhando-se aos votos de Mendonça e Fachin. Fez uma leitura resumida e rápida de quem sabe que perdeu e sabe que já tudo foi decidido no almoço

 Censura sem rosto

A derrubada do Art. 19 representa a substituição da legalidade por critérios subjetivos e pela terceirização da responsabilização prévia.

Ao admitir que plataformas sejam punidas sem decisão judicial, por conteúdos de terceiros, a maioria dos votos normaliza um ambiente de censura estrutural.

Em resumo: censura sem rosto. Você não saberá o motivo de ter sido censurado, não terá acesso ao contraditório, e o caminho para reverter a decisão será inviável para muitos.

A derrubada do Art. 19 representa a substituição da legalidade por critérios subjetivos e pela terceirização da responsabilização prévia. Ao admitir que plataformas sejam punidas sem decisão judicial, por conteúdos de terceiros, a maioria dos votos normaliza um ambiente de censura estrutural. Em resumo: censura sem rosto. Você não saberá o motivo de ter sido censurado, não terá acesso ao contraditório, e o caminho para reverter a decisão será inviável para muitos.

Principais pontos e algumas considerações jurídicas:

1) o artigo 19 é parcialmente inconstitucional. Ele se aplica a crimes contra a honra, que ainda exigem decisão judicial para exclusão. No entanto, se o conteúdo for reiterado, basta notificar a plataforma.

Problema: A tese ignora a diferença entre texto e contexto. Os conteúdos mudam seu sentido por completo, em contextos diferentes. Dizer que alguém é ladrão na cadeia ou na igreja não pode ser visto como a mesma coisa

2) as plataformas deverão retirar sem ordem judicial e proativamente conteúdos “antidemocráticos”, de “terrorismo”, “discriminação”, “ódio à mulher”, “homofobia e transfobia”, “induzimento a suicídio”, “crimes sexuais e pornografia infantil” e “tráfico de pessoas”.

Problema: pornografia infantil etc já são retirados por políticas internas das plataformas. Os demais conceitos são subjetivos o suficiente para resultarem em censura. Na dúvida, para não serem punidas, as plataformas optarão por retirar em excesso e as pessoas inconformadas terão o ônus de buscar o judiciário

3) Não disseram qual será o órgão fiscalizador, embora nos votos cada ministro tivesse previsto sua opção

Problema: não há como a plataforma ser obrigada a retirar conteúdos proativamente e ela própria se fiscalizar.

Ou o STF esqueceu de colocar na tese o órgão, ou não quis se expor à crítica e colocará o órgão apenas no acórdão. Precisamos ficar atentos a isso

4) As plataformas terão de ter representante legal no Brasil

O presidente da Corte, Luiz Roberto Barroso insiste que o STF não legisla, que não pode evitar julgar casos. Não é verdade: o STF julga a constitucionalidade dos artigos da CF, mas não pode criar regras

André Marsiglia Santos
André Marsiglia é Advogado constitucionalista, Professor e Palestrante. Conselheiro julgador no CONAR, fundador do instituto L+ speech and press, constituído para a defesa e promoção da liberdade de expressão. Pesquisador no instituto EthikAI- Ética em Inteligência Artificial. Especialista em liberdades de expressão, direito digital e da publicidade. Articulista em jornais e revistas. Membro da Comissão de Direito das Mídias da OAB e da Comissão de Mídia e Entretenimento do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), consultor jurídico da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), e da Associação Nacional de Editores (ANER). Sócio administrador na Lourival J Santos Advogados.

Fez a palestra de abertura do 50º Congresso Estadual da Adjori/SC, com o tema Liberdade de Imprensa e Liberdade de Expressão, evento realizado em Florianópolis, em 2024.