
Tarifas de 50% dos EUA terão impacto expressivo sobre as exportações brasileiras e catarinenses, alerta Henry Quaresma

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Henry Uliano Quaresma é CEO da Brasil Business Partners e membro de conselhos de empresas e entidades empresariais (Fotos: Divulgação)
Confira a entrevista exclusiva concedida à RCN pelo consultor Henry Uliano Quaresma, profundo conhecedor das relações comerciais entre os dois países e do mercado internacional como um todo
RCN: Os Estados Unidos anunciaram tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros. Quais os impactos imediatos para o Brasil, especialmente para Santa Catarina?
Henry Uliano Quaresma: O impacto é direto e expressivo. Em 2024, o Brasil exportou US$ 40,3 bilhões para os EUA e importou US$ 40,6 bilhões, sendo os Estados Unidos o segundo maior parceiro comercial do Brasil em importações e exportações — atrás apenas da China. Santa Catarina, por sua vez, exportou US$ 1,7 bilhão e importou US$ 2,2 bilhões dos EUA, que representam o principal parceiro comercial do estado nas exportações e o segundo nas importações.
RCN: Quis os principais produtos na pauta de exportação catarinense para os Estados Unidos?
Henry Uliano Quaresma: Santa Catarina exporta para os EUA mais de 1.500 classificações tarifárias de produtos, sendo os mais representativos — em valores — os produtos de madeira (portas, compensados, serrados, coníferas, móveis etc.), blocos de cilindro, motores elétricos, cabeçotes para motores, motocompressores, carne suína, gelatinas, ladrilhos e couro. São produtos que demandaram anos de investimentos até conquistarem esse mercado, com consumidores bem definidos no mercado norte-americano.
RCN: O consumidor americano também sofreria algum impacto?
Henry Uliano Quaresma: Sim, o consumidor americano também será impactado, pois os importadores nos EUA tendem a repassar parte dos custos das tarifas, gerando aumento de preços no varejo. Isso tende a elevar a inflação e reduzir a competitividade interna dos próprios EUA, criando um efeito adverso para sua economia.
RCN: O que acontece com as empresas brasileiras que já exportam para os EUA quando essas tarifas entrarem em vigor?
Henry Uliano Quaresma: Essas empresas terão que renegociar seus contratos com os compradores americanos. Aqueles que operam com margens mais confortáveis podem tentar absorver parcialmente os custos, reduzindo preços. No entanto, muitos não terão essa flexibilidade e poderão ser forçados a cancelar os fornecimentos.
Por outro lado, o importador americano poderá repassar os custos ao consumidor final, o que pode gerar perda de mercado ou insatisfação do cliente. Essa medida afetará não apenas o Brasil, mas também grandes exportadores como México, China, Vietnã e países da União Europeia. O resultado será o redimensionamento das cadeias globais de suprimentos, com empresas reavaliando fornecedores, rotas logísticas e estruturas produtivas internacionais.
RCN: O que motivaria os Estados Unidos a aplicar tarifas tão elevadas?
Henry Uliano Quaresma: Há uma combinação de fatores: pressão eleitoral interna, questões políticas com o Brasil, tentativa de proteger setores industriais específicos e uma estratégia para atrair investimentos de volta aos EUA. O Brasil tem se aproximado dos BRICS e da China, o que pode ser interpretado como uma mudança de alinhamento geopolítico. Em ano eleitoral nos EUA, o discurso protecionista ganha força.
Com isso, há um risco real de polarização econômica global, com os BRICS se fortalecendo como bloco alternativo ao Ocidente. Essa medida pode acelerar esse processo, forçando os países emergentes a se reorganizarem em termos de comércio internacional.
RCN: O Brasil pode recorrer à OMC ou adotar retaliações?
Henry Uliano Quaresma: Infelizmente, a OMC perdeu parte de sua efetividade, principalmente com a paralisação do seu órgão de apelação desde 2019. O sistema de solução de controvérsias ainda funciona em primeira instância, mas as decisões não têm o mesmo peso sem uma instância final ativa.
Na prática, isso significa que o Brasil tem poucas alternativas multilaterais para reverter rapidamente a medida americana. Por isso, a solução passa por diplomacia bilateral direta, com argumentos técnicos e econômicos que evidenciem os impactos negativos para ambos os lados. Será um grande teste para a diplomacia brasileira.
RCN: Aplicar a Lei de Reciprocidade Comercial é um caminho?
Henry Uliano Quaresma: Com a Lei de Reciprocidade Comercial, o Brasil pode retaliar com medidas equivalentes, mas isso precisa ser analisado com cautela. Retaliar tarifas pode gerar efeito rebote, pois importamos dos EUA muitos insumos críticos, como tecnologia, equipamentos médicos, peças industriais e produtos químicos.
Se necessário, uma medida mais estratégica poderia ser a aplicação da reciprocidade na área de propriedade intelectual, como a suspensão de patentes — mas isso deve ser considerado apenas como último recurso, após esgotadas todas as possibilidades de negociação.
RCN: Como isso afeta o ambiente de negócios e os investimentos no Brasil?
Henry Uliano Quaresma: Esse tipo de instabilidade afeta diretamente a confiança dos investidores internacionais. Projetos industriais, logísticos e de infraestrutura voltados à exportação podem ser adiados ou cancelados, especialmente diante da falta de previsibilidade comercial.
O Brasil precisa se posicionar como um país confiável, competitivo e capaz de reagir com inteligência estratégica. Em um cenário de redesenho das cadeias produtivas, a capacidade de adaptação será decisiva para atrair ou repelir investimentos.
RCN: E que estratégias as empresas brasileiras — especialmente as catarinenses — devem adotar?
Henry Uliano Quaresma: O mais urgente é diversificar mercados. Em 2024, Santa Catarina direcionou cerca de 15% de suas exportações aos Estados Unidos, o que revela uma dependência significativa. Em um cenário internacional instável, isso representa um risco que precisa ser enfrentado com estratégia.
As empresas devem buscar oportunidades na Ásia, América Latina, África e Oriente Médio — regiões com demanda crescente. Outra frente importante é formar parcerias produtivas em países que tenham acordos com os EUA, como o México, o que pode facilitar o acesso ao mercado norte-americano mesmo diante de barreiras.
Além disso, é fundamental que o setor exportador pressione o governo para ampliar acordos bilaterais com novos mercados e implemente um programa acelerado de promoção de exportações, com foco em mercados estratégicos. Não se trata apenas de reagir, mas de agir com visão e planejamento.
Uma diretriz prática que pode ser adotada pelas empresas é a estratégia do 50x30: exportar até 50% da produção para, no mínimo, três mercados distintos. Essa diversificação reduz riscos comerciais, garante maior previsibilidade e protege os negócios contra oscilações políticas ou tarifárias em mercados específicos.
RCN: O senhor acredita que há espaço para superação desse conflito ainda este ano?
Henry Uliano Quaresma: Acredito que sim, desde que o Brasil conduza o processo com maturidade diplomática, equilíbrio e foco técnico. Tarifas são, muitas vezes, instrumentos de pressão política — e não necessariamente medidas definitivas. Por isso, é importante que o Brasil apresente propostas concretas, como acordos setoriais, cooperação regulatória ou compromissos em áreas de interesse comum, como meio ambiente ou tecnologia.
Ainda que se alcance uma solução negociada, não se deve esperar resultados excepcionais. O histórico de negociações com os EUA mostra que o país tende a impor condições duras, e os benefícios para os parceiros nem sempre são significativos. Evitar o agravamento da situação já será um avanço importante.
O Brasil precisa aproveitar esse momento para fortalecer sua posição internacional, ampliar parcerias estratégicas e buscar novos mercados. Com articulação e visão de longo prazo, é possível sair dessa situação mais fortalecido e com um papel mais relevante no comércio global.
Saiba mais sobre Henry Uliano Quaresma
CEO da Brasil Business Partners e membro de conselhos de empresas e entidades empresariais, foi Diretor Executivo na Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC), onde participou ou coordenou mais de 90 missões empresariais internacionais em mais de 50 países. Atuou profissionalmente em universidades como professor, em indústrias e governo. É engenheiro, possui MBA em Administração Global pela Universidade Independente de Lisboa, especialização em Marketing pela FGV e concluiu Programas Executivos em Estratégia e Gestão pela Wharton School (EUA) e pela INSEAD (França). É autor de artigos e livros, destacando-se o livro “O Fator China: Oportunidades e Desafios” (2024), obra consolidada como referência na área empresarial.
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