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Maria Cristina Mattioli é Presidente do Conselho Superior de Relações do Trabalho da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). (Fotos: Divulgação)
O debate sobre a redução da jornada semanal no Brasil vem ganhando espaço na arena política e na sociedade civil. Se por um lado o tema é bastante sedutor, pois dialoga com a busca por qualidade de vida, podendo ser visto até mesmo como um sinal de modernização das relações de trabalho, por outro, ele pode ser visto como mais um gatilho para o desequilíbrio econômico e social do país. Não só porque o país está longe de possuir condições estruturantes necessárias para incorporar tão profunda alteração e de forma compulsória, como também os dados de produtividade, custos sociais do trabalho, estrutura das empresas e ambiente de negócios no Brasil demonstram, à saciedade, que não será esta mudança que o fará crescer de forma mais acelerada ou gerar novos postos de trabalho.
Com efeito, embora o limite constitucional seja de até 44 horas semanais de trabalho, a média praticada no país, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o 1º trimestre de 2025, já é de 39 horas semanais, muito próxima da média mundial que é de 38,2 horas semanais, conforme dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Esta prática encontra respaldo na própria Constituição Federal que em seu art. 7º, XIII, permite a redução da jornada de trabalho através da negociação coletiva.
Muitos setores, inclusive, já adotam jornadas inferiores, negociadas e ajustadas às suas especificidades. O instrumento coletivo – acordo ou convenção – já vem sendo utilizado em larga escala e com excelentes resultados, garantindo flexibilidade e adequação às diferentes realidades produtivas do país, sem que haja comprometimento da competitividade e da organização do trabalho.
Alterar a Constituição Federal, neste momento, para reduzir o limite da jornada de trabalho de 44 horas para 40 ou 36 horas semanais, significa trazer ao debate um elemento de ruptura de um modelo que vem dando certo e que pode trazer consequências desastrosas e num momento em que até o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido o valor da negociação coletiva (Tema 1046). Substituir um modelo negociado e adaptável por uma regra constitucional rígida e uniforme, é desconsiderar a heterogeneidade que existe entre os setores econômicos e produtivos, limites geográficos e, o mais importante, esquecer que no Brasil a grande maioria das empresas ainda está enquadrada como pequena e média. Apenas no Estado de São Paulo, a título exemplificativo, cerca de 80% das indústrias pertencem a essa categoria.
Este é o ponto fundamental para que as comparações com outros países– especialmente com os que compõem o grupo dos mais desenvolvidos – não podem ser levadas em consideração, de forma tão absoluta. Se a ideia é a comparação, por questão de lealdade, o Brasil deve ser comparado aos países que à ele se assemelha, economicamente ou que estão no mesmo grupo.
Países que operam com jornadas de trabalho reduzidas, como é o caso de Luxemburgo, Noruega e Bélgica, são de três a seis vezes mais produtivos do que o Brasil, segundo dados da OIT. Aliás, os dados da OIT revelam que nosso país ocupa a 100ª posição em produtividade por trabalhador e a 91ª em produtividade por hora trabalhada, uma distância expressiva em relação às economias que conseguiram implantar jornadas inferiores sem comprometer sua competitividade. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por sua vez, ao analisar o desempenho brasileiro, aponta crescimento médio da produtividade inferior a 0,5% ao ano nas últimas décadas, em contraste com o dinamismo tecnológico e educacional visto no conjunto das economias avançadas. Por óbvio, diante de dados tão díspares, fica difícil comparar o Brasil com tais países.
A realidade internacional também desmonta a tese de que haveria uma tendência global de adoção da semana de quatro dias de trabalho (4x3) por imposição legal. Não existe, até o momento, qualquer país que tenha reduzido, por lei, a jornada semanal para 36 horas com preservação integral dos salários. As experiências citadas como exemplo, em especial a Bélgica, dizem respeito à possibilidade de se distribuir as mesmas horas de trabalho em quatro dias, mediante acordo entre os interessados. Porém, o número de trabalhadores que aderiu a esse formato, inclusive, permanece inferior a 1% da força de trabalho belga.
Se a comparação internacional mostra que jornadas menores são viáveis apenas em países altamente produtivos, os estudos nacionais evidenciam que no Brasil, a redução legal do limite semanal resultaria em aumento expressivo dos custos do trabalho. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que a migração para 36 horas semanais elevaria os custos diretos da indústria em cerca de R$ 178 bilhões anuais, resultado da necessidade de novas contratações, aumento do salário-hora e reposição parcial das horas não trabalhadas. Pesquisas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/IBRE) projetam que apenas considerando o fator trabalho, a mudança poderia produzir retração de até 11% do PIB, pressionando preços, reduzindo investimentos e dificultando a capacidade de expansão da economia.
Esses impactos se tornam ainda mais severos quando se observa o universo das micro e pequenas empresas, responsáveis por mais de 50% dos empregos formais no Brasil, segundo dados do Sebrae. Uma imposição de redução da jornada de trabalho, sem redução salarial, criaria um cenário em que essas empresas teriam significativa perda de horas de produção, sem que conseguissem repô-las integralmente. E, em muitos casos, contratar um trabalhador adicional não seria viável, seja por custo, seja por restrições operacionais. Esta conduta traria, como resultado, certamente, a perda de competitividade, o aumento de preços e da informalidade e, no limite, o fechamento de empresas ou o encerramento de muitas atividades.
Há, portanto, uma diferença fundamental entre a redução da jornada de trabalho por via negociada (soft law) e a redução imposta por lei ou alteração constitucional (hard law). No primeiro caso, empresas e trabalhadores avaliam suas realidades, seus ganhos de produtividade, suas margens financeiras e seus ciclos econômicos para firmar acordos coletivos ou convenções coletivas de trabalho mais equilibradas. No segundo caso, uma norma uniforme e de abrangência genérica, ignora a diversidade estrutural da economia brasileira, impondo custos desproporcionais e mais altos, justamente aos segmentos mais vulneráveis e com menor capacidade adaptativa.
Antes de discutir menos horas formais de trabalho, o país precisa discutir mais eficiência, mais inovação, mais educação, mais produtividade e gerar mais competitividade. A experiência internacional mostra que jornadas mais curtas são consequência de altos níveis de produtividade — e não seu ponto de partida. A situação fática é exatamente o contrário: maior produtividade leva à menor jornada de trabalho.
Por essas razões, embora legítimo em suas intenções, o movimento que busca reduzir a jornada de trabalho pela via da imposição legal, ainda não entendeu que as condições econômicas, fiscais e produtivas no Brasil atual não sustentam essa intenção. O Brasil ainda precisa amadurecer – e muito! - sua base produtiva, ampliar sua produtividade e competitividade antes de se comprometer com uma mudança estrutural tão profunda. Qualquer outra ordem significaria inverter a lógica de desenvolvimento: tentar colher resultados antes de construir os alicerces que os tornam possíveis.
*Sylvia Lorena é superintendente de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Lorena Blanco é presidente do Conselho Temático de Relações de Trabalho e Inclusão da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (FIEG).
*Maria Cristina Mattioli é Presidente do Conselho Superior de Relações do Trabalho da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).
O artigo foi publicado originalmente no jornal O Jota, no dia 5 de dezembro de 2025.
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