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Vinicius Lummertz (Fotos: Divulgação)
FEm 1994, escrevi um artigo com o título Floriville, antecipando a conurbação urbana entre Fiorianópolis e Joinville. Três décadas depois, essa mancha urbana, que hoje vai se estendendo de Itapoá a Laguna e recebe influência dos valescatarinenses, consolidou- -se como a segunda região mais competitiva do Brasil, após São Paulo. Com seis portos, quatro aeroportos, dezenas de centros universitários e polos tecnológicos, essa faixa litorânea concentra mais de 80% do PIB catarinense. Hoje, Floriville já é uma cidade funcional. O desafio é torná-la um projeto estratégico, mais eficiente e planejado, simbólico e sustentável.
Durante o WTTC (World Travel & Tourism Council) realizado em Florianópolis, em 2007, um estudo da Oxford Economics destacou o território formado pelo Litoral, Serra e vales de Santa Catarina como um dos mais diversificados do planeta, geográfica, humana e historicamente. Um reconhecimento raro, que traduz a singularidade catarinense; articulada em múltiplas vocações, baseada em pequenas propriedades, cultura do trabalho e descentralização produtiva.
O economista Alcides Abreu, grande planejador do governo Celso Ramos, chamava esse Litoral de "lote marinheiro catarinense", um bem de valor estratégico superior às fábricas, às marcas ou às máquinas, dizia. Para ele, a verdadeira riqueza estava no território e na sua ocupação inteligente. O que antes era vantagem espontânea, hoje, no entanto, exige ciência, técnica e cooperação.
O crescimento desordenado já mostra sinais de saturação: trânsito, pressão sobre áreas verdes, sobrecarga nos serviços públicos, conflitos entre turismo, indústria, portos, preservação e moradia. Como alertava o professor Ignacy Sachs, de Paris, Santa Catarina é um Estado "excepcional", mas corre o risco de se homogeneizar pelo Brasil e com isso perder sua singularidade histórica e cultural.
O antídoto para isso é o planejamento, não o planejamento dirigista do passado, mas o colaborativo e flexível do presente. O estudo coordenado pelo arquiteto Michel Mittmann para o Instituto Paes de Barros, no governo Luiz Henrique, dividiu o Litoral em cinco grandes trechos. Foram mobilizados mais de 40 arquitetos para desenhar um macroplanejamento vocacional do Estado. A proposta era compatibilizar crescimento com preservação, e ordenamento com diversidade de usos indicando as infraestruturas. Eliezer Batista fez para a Fiesc, na gestão de Oswaldo Douat, um plano logístico para Santa Catarina.
O sociólogo do trabalho e presidente da Associação dos tetos de renome estadual e Arquitetos da Itália, Domenico de Masi, concluiu um estudo sobre o futuro do Litoral de Santa Catarina, e com o BID e o Ministério do Turismo realizamos um estudo, Serra-Mar, que ainda pode servir de base para financiamento do próprio banco. Já na década de 1950, o arquiteto Felipe Gama D'Eça indicava a necessidade de vias paralelas à BR-101.
Essa é a chave: Florivlle não pode continuar por fluxos econômicos espontâneos, nem por freios ambientalistas e de conflitos jurídicos, apenas. A escala e a velocidade mudaram. O território exige um novo patamar de sentimento e de coordenação, que integre não só modais logísticos, mobilidade e infraestrutura, mas também o saneamento, a forma urbana e a estética do espaço construído. Ressalto a questão estética, e de qualidade de vida urbana e rural para além da funcional. Ou não seria por isso que viajamos e admiramos países que planejaram seus espaços?
A arquitetura e o urbanismo vocacionados, palavra-chave, precisam ser elevados a patamares de alta política pública estratégica. Santa Catarina já abriga arquitetos de renome estadual e nacional. Mas o espaço público precisa acompanhar esse movimento. O futuro exige construções icônicas, ambientalmente integradas, simbolizando a civilização que construímos. O novo aeroporto de Florianópolis é exemplo disso: deixou de ser o pior do país e tornou-se referência nacional, com projeto internacional, da Biselli e Associados, por concurso público, e gestão da Zurich Airports. Função e forma em equilíbrio, com ganhos para toda a região.
Essa visão precisa alcançar os parques naturais e áreas verdes ainda preservadas. A regido de Floriville, embora altamente urbanizada, ainda conta com grandes trechos verdes: Parque Esta- dual do Acaraí, Rio Vermelho, áreas de manguezal, lagoas, encostas da Serra do Mar. Esses territórios precisam ser planejados agora. O planejamento do progresso deve incorporar as APAs, zonas de amortecimento, áreas de pesca artesanal, núcleos de agricultura familiar e reservas indígenas, promovendo um pacto entre produção, cultura e conservação em grande respeito mútuo.
Para isso, é indispensável o diálogo entre a política, as forças vivas da sociedade com participação das esferas do direito estadual e federal desde as etapas iniciais. O gerenciamento costeiro de Santa Catarina precisa ser completado, com base técnica de alto nível, com- binando especialistas locais, nacionais e internacionais. Planejar é um dever de Estado, mas também uma tarefa coletiva. A economia do mar deve ser abordada como ativo socioeconômico e ambiental. Existem bons exemplos no mundo para serem contemplados.
Não se trata mais de repetir o modelo das décadas passadas, em que o Estado planejava sozinho, depois deixando para as prefeituras enquanto o mercado se desenvolvia em paralelo. Hoje, na era da Inteligência Artificial, é preciso cocriação, inteligência distribuída e projetos prontos para serem executados, como foi o caso do Centro de Convenções de Balneário Camboriú que foi viabilizado porque havia projeto, e pudemos aproveitar recursos que se disponibilizaram no Ministério do Turismo.
O oposto também é ver- dadeiro: não se constroem grandes obras porque faltam projetos. E, num país de ciclos políticos curtos, isso é fatal. Santa Catarina precisa de um banco de projetos estruturantes, prontos para serem financiados por BID, Bird, CAF e recursos priva- dos. O Via Mar, projeto do governador Jorginho Mello, e o túnel Itajaí-Navegantes são ótimos exemplos.
Floriville pode ser a capital simbólica do Sul do Brasil. Uma cidade-parque, uma metrópole policêntrica, um território que une inovação, turismo, artes, cultura, indústria e meio ambiente. Mas para isso é preciso reconhecer o que já é realidade, e fazer dela um plano com projetos inclui- dos, com visão, cooperação e um horizonte de 50 anos. O desenvolvimento espontâneo nos trouxe resultados que são um orgulho nacional.
Este sucesso atrai pessoas e investimentos que transformarão Floriville ainda mais. Uma nova era de planejamento e diálogos é vital. Este será o novo teste civilizacional daqueles que amam Santa Catarina, o melhor Estado do Brasil.
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- Vinicius Lummertz
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