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A carta de Trump fala da razão. Mas a racional americana está no BRICS, no Irã, no dólar e na disputa pela América do Sul. (Fotos: Divulgaçõa /campanha de Trump)
O aumento de 50% nas tarifas americanas sobre diversas exportações brasileiras provocou fortes reações ideológicas tão supérfluas quanto utilitárias na política interna do Brasil — e muita análise de “futebol político” pela grande imprensa. A carta de Trump fala da perseguição ao presidente Jair Bolsonaro, fala das liberdades de expressão etc., como as razões da ação tarifária. Porém, isso é muito pouco diante da racional estratégica por trás da decisão. Confundir razão e racional é um erro muito básico de análise em relações internacionais.
A medida do presidente Trump veio um dia após o discurso do presidente Lula na cúpula do BRICS, no Rio. Ali, mais uma vez, Lula defendeu abertamente a substituição do dólar nas transações globais. A fala, somada a gestos diplomáticos ambíguos em relação ao Irã, Rússia, Hamas e Hezbollah, é vista em Washington como um afastamento simbólico do Brasil do campo ocidental. O presidente da grande China, Xi Jinping, não veio ao encontro do BRICS — cuidadosamente. Mas a mensagem brasileira foi clara — e entendida como provocativa.
Para os EUA, o Brasil sempre fez parte de sua esfera de influência. Em especial desde a Segunda Guerra Mundial até a Aliança para o Progresso de John F. Kennedy, o país era visto como parceiro natural. Agora, a Casa Branca observa um governo que se alinha retoricamente a um eixo geopolítico rival, sem oferecer, em troca, um projeto econômico coerente.
No pano de fundo, está a disputa com a China. Em 2023, o Brasil exportou US$ 104 bilhões para os chineses, com superávit de US$ 51 bilhões. Já com os EUA, o saldo foi positivo para os EUA: US$ 7,8 bilhões de superavit. No acumulado da década, o déficit brasileiro com os EUA supera os US$ 75 bilhões. Na prática, ganhamos com a China e gastamos com os EUA. Então, não é comercial.
Além disso, os americanos seguem como o maior investidor no país: mais de US$ 150 bilhões em estoque. E as empresas americanas no Brasil remetem bilhões anualmente em lucros para suas matrizes — foram US$ 10,6 bilhões apenas em 2023. Ou seja, apesar da retórica, a dependência bilateral continua — e é profunda.
As tarifas não são um gesto isolado de protecionismo. São um aviso. O Brasil está sendo interpretado como ambíguo. Depende da China no comércio e dos EUA no capital, mas flerta com discursos que desagradam os dois lados. E a racional americana, como a chinesa, ao contrário da brasileira, não opera por afetos. Eles operam por interesses nacionais — algo que está ausente nos nossos fundamentos.
O debate no Brasil se prendeu à carta de Trump, cujo conteúdo reflete uma camada superficial. A racional por trás da decisão é clara: os EUA não aceitam discursos de enfrentamento vindos de um país que sempre esteve sob sua influência — e que, agora, dá sinais de mudança sem oferecer clareza sobre onde quer chegar.
O maior risco não está nas tarifas anunciadas. Está nas que podem vir: nas decisões de crédito, nos investimentos futuros, na confiança estratégica. O Brasil precisa entender que política externa é feita de escolhas. E que, para ter protagonismo, precisa primeiro ter direção. Finalmente, entregar ao Itamaraty o que ele sabe fazer: política de Estado.
Sobre Vinicius Lummertz
Ex-ministro do Turismo do Brasil e ex-presidente da Embratur, foi Secretário Estadual de Turismo e Viagens do Estado de São Paulo; Secretário de Planejamento, Orçamento e Gestão no Governado de Luiz Henrique da Silveira, em Santa Catarina, ocupando também o cargo de Secretário de Articulação Internacional. Foi o criador e presidente da Empresa Estadual de PPPs e Concessões de Santa Catarina, diretor técnico do Sebrae Nacional no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Atualmente preside o Conselho de Administração do Grupo Wish e é sócio proprietário da LG17 Consultoria.
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