Tudo que se possa fazer para homenagear o escritor Salim Miguel é pouco, pois não conseguirá dar a dimensão do ser humano que ele é. Com o melhor amigo do meu pai, ouvi dizer, por diversas vezes, que me conhecia antes mesmo de eu ter nascido.

Ainda na barriga da mãe ele já dizia me conhecer. Acho até que ele tem razão. Esse bruxo-líbano-biguaçuense foi encantando e incomodando a cidade pela palavra, pela escrita e pelo humanismo. Até que o prenderam, ele e a Eglê, colocaram fogo na livraria dele e os expulsaram da Ilha.

Com a mulher e os filhos, Salim foi tentar a vida na cidade maravilhosa. Vida difícil para quem só sabia escrever e falar sobre ideias e ideais. Como ele próprio fala, “Existe escritor que diz que não escreve para o leitor. Ninguém deve escrever para o leitor, mas ninguém deve esquecer o leitor, que é coisa diferente de escrever para o leitor. E eu escrevo por uma necessidade interior, eu escrevo porque não sei fazer outra coisa a não ser ler e escrever. Eu não sei trocar uma lâmpada. Eu só sei ler, escrever, ouvir música e conversar. Eu sou conversador impenitente que enche a cara do leitor, do meu ouvinte, falando demais”.

Assim que a vida permitiu, ele voltou à Ilha. Agora com um batalhão de amigos. A Literatura, a palavra e a amizade foram suas armas. Um dia, o Aníbal Nunes Pires, de quem eu sempre ouvia maravilhas desse meu amigo invisível, nos deixou. Logo depois, minha vida se cruza com a do Salim, agora fora do ventre da minha mãe. No início, ouvia suas histórias com atenção e lamentava não ter uma câmera para gravar e dividir o prazer de ouvi-lo com meus amigos. Fiz o contrário, levava meus companheiros de curso de jornalismo na editora da UFSC, onde trabalhávamos, para escutá-lo: “outra coisa que eu repito sempre é que o autor escreve e o leitor reescreve. E quanto mais reescrevedores tem um autor, tanto melhor. É que a obra dele está atingindo um público maior e o leitor está ao mesmo tempo lendo aquilo que o autor escreveu, mas está também fazendo a sua própria versão daquilo que estava escrito”.

Do escritor que se tornou quase um pai pra mim, pensei, como um desafio: ainda tenho que fazer um documentário sobre esse amigo especial! Não imaginava que teria que vencer tantos medos interiores para finalizar um documentário de uma pessoa tão próxima. Melhor seria mesmo correr da raia. Até que chegaram alguns colaboradores. De Guga, meu principal assistente, Anderson e Gustavo. Os três alunos do Curso de Cinema da UFSC, além da professora e tradutora Luciana Rassier. E o documentário? Sempre adiado até hoje. Difícil, muito difícil encontrar um FIM. Que as singelas imagens desse filme consigam transmitir um pouquinho da sede de viver e conviver que Salim Miguel esbanja nos quase 89 anos de vida.

Eu, meu pai e toda legião de amigos agradecem: Obrigado Salim Miguel!

Maktub!

Zeca Nunes Pires, cineasta

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