O brasileiro já foi o homem cordial, como o definiu, há décadas, o sociólogo Sérgio Buarque de Holanda, que hoje é mais conhecido como pai do cantor e compositor, Chico Buarque.
Nos últimos 60 anos, importantes filmes e uma filosofia de comunicação na TV, transmitem cenas de violência cada vez mais explícitas.
A nossa televisão mostra das 17 horas às 24 horas o quanta violenta ficou a sociedade brasileira. O nosso noticiário de cada dia, vem refletindo essa realidade, marcada por uma criminalidade organizada no narcotráfico e na corrupção.
Em Lisboa, numa rápida passagem no trajeto para Moscou, reencontrei o “brasileiro cordial”, de Sergio Buarque de Holanda. No contato com as pessoas revivi aquela educação, aquela atenção, que caracterizava o ambiente humano brasileiro nos meus tempos de infância e juventude.
Em Lisboa, reencontrei crianças indo sozinhas às escolas, comportadas, livres e sem medo, como nós íamos, eu e meus irmãos, nos anos de 1940 e 1950. Andávamos uns cinco quilômetros de casa para a escola, da escola para casa, sem jamais imaginar que pudéssemos correr qualquer perigo.
Os carros eram poucos, e eram muitos os que iam de bicicleta ou caminhando, como caminhava meu pai, diariamente, vários quilômetros, de nossa casa para o trabalho. Naquela época respeitávamos os mais velhos e venerávamos os professores.
Nossos pais compravam na venda mercadorias fiadas, que eram pagas, religiosamente, todo o fim do mês. As pessoas conversavam; os vizinhos se visitavam, se emprestavam mutuamente coisas.
No verão, punham as cadeiras nas calçadas e a conversa desafiava o calor da noite, bem do jeito daquela cena descrita por Chico Buarque, ao por letra em “Gente Humilde”, a célebre canção de Garoto (Aníbal Augusto Sardinha).
Os adultos aglomeravam-se nas livrarias ou nos cafés, desenrolando os melhores valores da vida. Essas rodas de conversa eram de um cotidiano sadia e fecundante. Crime? Quando acontecia, ocupava o noticiário anos a fio, como o Sacopã, que tornou popular a figura do Tenente Bandeira.
Esse jeito de ser, de viver, de falar de sentir, de pensar, que pertenceu aos meus 15 primeiros anos de vida, ainda está presente em Portugal. Ainda existe lá, aquele jeito cordial de ser que os portugueses haviam transportados para o Brasil. Certa feita, Eça de Queiroz definiu o brasileiro como o “português turbinado pelo calor”.
Mas não foi o calor que nos fez violentos, porque ele já existia quando o Garoto nos desenhou com aquela canção maravilhosa.
Sem dúvida, a violência foi importada. A droga foi importada. As armas cada vez mais letais foram importadas. Os filmes foram importados. A cultura da violência foi importada.
Luiz Henrique da Silveira – Senador da República
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