Toda a vez que vou a Montevidéu para participar das reuniões do Parlasul (Parlamento do MERCOSUL), brinco com meus colegas uruguaios que, em toda a história daquele país, só houve onze pessoas más: Maspoli, Matias Gonzales e Tejera; Rodriguez Andrade, Obdulio Varela e Gambeta; Gighia, Julio Peres, Miguez, Schiaffino e Moran.

Foram esses “onze homens maus” que derrotaram o Brasil, naquela dolorosa final de 16 de junho de 1950. Quando bastaria um simples empate para sermos campeões, perdemos por um inexplicável (e inaceitável) 2 a 1.

O Brasil tinha uma seleção fantástica, que goleou a Suécia por 7 a 1 e a Espanha por 6 a 1, com quase duzentas mil pessoas no Estádio do Maracanã, cantando uma famosa marchinha de carnaval: “eu fui à tourada de Madri, parará timbum, timbum...”

Era uma geração de ouro, que tinha craques insuperáveis, como Bauer, Zizinho, Ademir Menezes, Jair da Rosa Pinto.

O goleiro era Moacir Barbosa, que, perto de morrer em 7 de abril de 2000, disse a amarga frase: “No Brasil, a pena máxima para quem comete um crime é de 30 anos. Estou cumprindo 50 anos de punição porque sofri aquele gol da bola cruzada por Gighia”.

Fechando o gol daquele fantástico esquadrão do Vasco da Gama, que o povo do Rio de Janeiro chamava de “expresso da vitória”, foi campeão carioca de 1945, 1947, 1949, 1950, 1952 e 1958. Teve, sempre, atuações notáveis, que o tornaram, (indiscutivelmente!) o melhor goleiro brasileiro daqueles tempos.

Com, praticamente, a mesma seleção brasileira de 1950, foi campeão da Copa Sul-americana de 1949 (hoje Copa América), quando o Brasil assumiu a liderança do futebol no nosso continente, que, há décadas, pertencia à Argentina, com craques inolvidáveis, como Pederneira, Labruna e Lostou.

Por não deter aquele chute de Gighia, Barbosa foi sentenciado como o grande responsável pela derrota brasileira. E viveu o resto de sua vida com esse estigma.

Ninguém acusou o grande centroavante Ademir por não fazer os seus gols, como nas partidas anteriores. Ninguém cobrou, sobre o Uruguai, uma nova goleada, como nas estupendas atuações brasileiras contra a Suécia e Espanha. Ninguém perguntou por que a nossa seleção fez apenas aquele único gol (ainda, assim, em impedimento), anotado pelo ponta-direita Friaça.

Simplesmente, crucificaram Barbosa, que era o goleiro. Goleiro não pode falhar, ainda mais em jogo final de copa do mundo! Mas, naquela condenação estava o fato de Barbosa ser negro, condição que era tratada pejorativamente, até que o valor dos jogadores afrodescendentes se impusesse em 1958 e 1962, com os triunfos de artistas da bola, como Djalma Santos, Didi, Garrincha e Pelé.

Ao iniciar-se mais uma Copa do Mundo, é preciso que não tenhamos aquele sentimento arrogante de que seremos, sem dúvida, campeões. E se não o formos, não encontremos um novo “vilão”, como fizemos com Barbosa, em 1950; e com Toninho Cerezo – por sinal, outro afrodescendente – em 1982.

Na verdade, com os estádios lotados, não custaria nada exibir nos telões das doze sub-sedes da Copa, algumas das muitas defesas incríveis de Barbosa. Seria uma forma de refazer o erro histórico que cometemos com esse grande atleta brasileiro.