Lenira saiu do Centro de Saúde de Florianópolis direto para a EJA. Aos 47 anos, a estudante agora já sabe ler e comemora a melhora na qualidade de vida
Lenira Ferreira Lima, 47 anos de idade, quando criança, foi atropelada por uma carreta. Por um longo período teve que andar com bengalas. As sequelas lhe proporcionaram uma aposentadoria precoce.
Com diabetes, pressão alta e depressão foi consultar com a médica de família Mayara Floss, no Centro de Saúde do bairro Agronômica. Ao relatar sua trajetória de vida, da mudança da Bahia para Florianópolis, Lenira contou para a médica que não sabia ler e escrever. Foi aí que Mayara Floss, que além de examinar a paciente e dar encaminhamentos para exames, sugeriu a ela que voltasse a estudar.
De acordo com Mayara Floss, “retornar ao banco escolar é um dos principais determinantes de saúde em que se pode atuar como profissional”. Hoje, trabalhando no Centro de Saúde do Itacorubi, Mayara continua a ser conhecida como a médica que prescreve “educação”. Para ela, a educação previne doenças, é melhor que muitos comprimidos.
Para o professor da EJA, Daniel Berger, a “receita”, vinda de uma autoridade médica, contribui para que os estudantes assumam o estudo como um espaço de cuidado da saúde. “Na EJA, todos são estimulados a realizarem pesquisas tendo como base as suas problemáticas de vida, seus desejos e necessidades”, assinala o professor.
Lenira matriculou-se na Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJA) da Secretaria Municipal de Educação. Esteve no polo que funcionava na sede da Associação Florianopolitana de Deficientes Físicos. Atualmente está no primeiro segmento, o de alfabetização, do Centro de Educação Continuada, na Rua Ferreira Lima, centro da cidade.
Orgulhosa, diz que já sabe ler. Lê bula de remédio, propaganda de supermercado, não se confunde ao pegar ônibus e viaja pelo mundo dos livros. O foco agora é se aperfeiçoar na escrita.
Tem aula de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 12h. O espaço parece mais uma casa-escola. O lugar não se resume a carteiras e ao quadro do professor. Ao chegarem por volta das 8h15, os estudantes se reúnem em uma mesa, dessas de uma grande família, para tomarem café. Para o desjejum o que não falta é equipamento, com bule, xícaras, micro-ondas, geladeira e pia para lavar a louça. Para momentos de pausa, há uma biblioteca, com sofá. E para quem quiser alongar há uma bola de pilates.
Com um brilho no olhar, conversa e brinca com os colegas de classe: Amondieu (42 anos), Charles (41 anos), Jean (44 anos), Rosângela (53 anos), Terezinha (48 anos), Josivan (16 anos), Raimunda (56 anos) e Eva (68 anos). Também são colegas de Lenira a Vera (60), José Flávio (35) e Luciana (48) que estão no segundo segmento.
“Um novo horizonte se abriu para mim com a EJA”, confessa. “Quero continuar a estudar. Só depende de mim. E eu quero aprender cada vez mais”.
Prestes a completar 69 anos de idade, no dia 18 de abril, a professora da turma é Elaine Hubscher, já aposentada pelo INSS há 10 anos. Ela veio para a EJA em 2022. “A EJA para mim hoje significa uma oportunidade de poder fazer o que eu mais amo de uma forma prazerosa, com eficiência, reconhecimento e resultados muito animadores”, observa.
E a saúde Lenira? “Vai bem, obrigada”. E os estudos? Ela responde sorrindo: “Vai muito bem também. Graças ao meu esforço, graça aos professores e aos meus colegas. Somos uma grande e bela família”. E a vida Lenira? “Estou cada vez mais com vontade de viver. A vida tem um novo sabor”.
EM QUALQUER PERÍODO DO ANO
A Prefeitura de Florianópolis, por intermédio da Secretaria de Educação, oferta a Educação de Jovens e Adultos para pessoas que queiram se alfabetizar e concluir o ensino fundamental. É possível se matricular nessa modalidade de ensino em qualquer período do ano. A idade mínima para o ingresso é de 15 anos. Basta procurar uma das localidades da EJA espalhadas pela Ilha e Continente ou buscar informações em uma escola municipal. Para mais informações, os interessados podem ligar para (48) 3212-0925.
NUNCA É TARDE PARA VOLTAR A ESTUDAR
As profissionais dos centros de Saúde da Agronômica e do Itacorubi, desde 2021, perceberam que integrantes dessas comunidades possuíam baixa escolaridade. Desta forma, em Florianópolis, mapearam os polos de Educação de Jovens, Adultos e Idosos, EJA, e passaram a encaminhar os pacientes para essas localidades.
O ingresso da primeira pessoa na turma de EJA da Aflodef provocou a aproximação entre os profissionais da Saúde e da Educação que constataram que o retorno dos pacientes à escola trazia contribuições para a qualidade de vida dos estudantes. Pela parceria, os matriculados na turma começaram a ter um dia de aula na horta medicinal do Centro de Saúde da Agronômica.
Com o tempo, os postos de saúde, em suas instalações, afixaram informações e instruções de como a população poderia voltar a estudar para se alfabetizar e concluir o ensino fundamental.
Em 2022, dois pacientes encaminhados concluíram o ensino fundamental, sendo certificados para continuidade dos estudos no ensino médio. No ano passado, 34 pacientes foram encaminhados pelo Centro de Saúde do Itacorubi para algum polo da EJA.
Os coordenadores da EJA de Florianópolis também realizam um trabalho junto aos Centros de Saúde, articulando e divulgando os espaços que ofertam a Educação de Jovens e Adultos na cidade, mantendo o diálogo com os profissionais da saúde.
RECONHECIMENTO NACIONAL E INTERNACIONAL
Em novembro de 2023, a ação foi eleita como umas das 31 experiências inovadoras e exitosas pelo Conselho Nacional de Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e Organização Mundial da Saúde (OMS) no Brasil.
O reconhecimento ocorreu no evento 1ª etapa do Laboratório de Inovação Latino-Americano de Participação Social em Saúde em que foi apresentado o trabalho “Voltar à escola para participação social no SUS: ação intersetorial entre uma equipe de saúde da família, equipe multiprofissional e a Educação de Jovens e Adultos em Florianópolis-SC”. A experiência será publicada em livro pela OPAS.
A ação também recebeu o prêmio de Boas Práticas da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis, assim como foi tema de artigo da APS em Revista, publicação eletrônica da Rede de Pesquisas em Atenção Primária à Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
ASCOM PMF
Deixe seu comentário