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*Jonathan Hernandes Marcantonio é advogado na área Empresarial; doutor em Teoria e Filosofia do Direito e do Estado, professor nas áreas de Teoria, Filosofia e História do Direito; Direito Constitucional, Internacional e Humanos na USP/Ribeirão Preto/SP (Fotos: )
Jonathan Hernandes Marcantonio é doutor em Teoria e Filosofia do Direito e do Estado
É próprio das Repúblicas modernas a preocupação com gastos do aparato estatal e com formas de controlar e gerir tais gastos da melhor forma possível. Isso se dá pois, no instante em que o dinheiro arrecadado em tributos passa ser considerado como “dinheiro dos outros” e não mais como “dinheiro do Rei”, em tese também passa a ser exigido de quem o manuseia mais zelo no trato desse dinheiro dos outros, até mais do que com o próprio (foi o que aprendi com minha avó, pelo menos).
Sendo assim, todas as Repúblicas modernas procuram adotar formas de controle e gestão desses gastos. Ainda que façam isso a partir de modelos teóricos pré-elaborados, cada uma dessas Repúblicas desenvolve um modelo que acredita ser o mais efetivo na gestão do dinheiro dos outros (Dos outros, pois não o é de quem os manuseia). É um jogo de tentativa/erro, em que o erro custa o desenvolvimento de gerações.
Com o Brasil não foi diferente: A partir do momento em que se viu como República, pelos idos de 1890, tratou logo de criar mecanismos para a gestão do erário criando o nosso Tribunal de Contas da União.
Contudo, a criação de um órgão de controle não se mostrou suficiente para a boa gestão do gasto público ao longo dos séculos sucessivos e o motivo não foi - nesse caso específico - a corrupção (apenas), mas sim a essência do que representa o gasto financeiro de uma forma geral: Exemplificativamente, quando se tem uma casa para gerir, não se gasta apenas para sua manutenção. Se gasta também para sua melhoria que, no caso doméstico, vai da troca de um chuveiro velho à ampliação da casa com a construção de algum novo cômodo.
No caso das Repúblicas, essa melhoria é chamada de desenvolvimento e, também em tese, desenvolver a República tem o propósito de dar aos seus cidadãos (moradores da casa, no exemplo) melhores condições para se viver por lá, o que começa naquelas áreas chaves de uma boa República: Educação, Saúde, Segurança, Transporte, Saneamento básico, etc... o bom e velho pacote de direitos sociais (que havia virado socialista em um momento do passado recente do Mundo, mas isso é uma outra estória).
Mas voltando ao exemplo (ou alegoria) da casa e de seus gastos: O problema é que, podemos nos empolgar e gastar demais com ela: Podemos contratar mais funcionários do que necessário, podemos trocar coisas e objetos ainda úteis e em pleno funcionamento só porque, ou não achamos os que temos em casa, ou porque estava na promoção, ou porque queríamos agradar a um amigo (ou aliado). Podemos também fingir que gastamos com a casa quando, na verdade, estamos gastando conosco, ou todas as alternativas anteriores.
Em tese, foi a preocupação com a contenção desses gastos “empolgados” que a Emenda Constitucional 95 de 2016 emergiu. Basicamente era como se ela dissesse: “Basta! A partir de agora, não vamos aumentar os gastos com mais nada!”. Assim, o gasto da casa deveria ser, no ano corrente, o mesmo que ela gastou no ano passado, com uma ressalva: Sabendo que o preço das coisas aumenta com a inflação e para não perder o poder aquisitivo, foi permitido que esse gasto limite fosse reajustado pela inflação.
Tecnicamente, o congelamento dos gastos dado pela emenda 95 não se deu da forma como esperado pelos seus idealizadores por dois motivos básicos: (1) Não gastar mais do que o que já se gasta não é gastar pouco e (2), sem gastar mais, a casa fica obsoleta, degradada...com aquela cara de atraso.
Na nossa casa, foi o que aconteceu. Manteve-se os gastos com o que já se gastava, sem se fazer um “pente-fino” no que poderia ser cortado, mas deixou-se de se gastar com aquilo que contribuiria para sua melhoria, ou desenvolvimento, como República. Educação, Saúde, Transporte e Saneamento (além da destruição do “Jardim do quintal”, mas isso é também estória pra depois).
Até que, então, alguém teve ideia – aprovada agora com a alcunha de arcabouço fiscal - de pensar da seguinte forma: O aumento de possibilidade de gasto está associado, ou a gastar menos ou a ganhar mais (ou os dois ao mesmo tempo). Se eu não ganho muito preciso gastar menos com a casa. Se eu ganhar mais, eu posso manter o gasto com a casa no necessário para sua manutenção básica e ainda consigo gastar um pouquinho para melhorar da casa, e tirar dela esse aspecto de atraso que ela tem. Tudo vai depender de quanto dinheiro irá entrar.
A preocupação dessa nova forma de pensar é mais orientada aos tempos de hoje. Pensa-se no futuro da casa e no deletério efeito do tempo sobre ela; Na necessidade de manutenção e formas de melhorias (desenvolvimento), fundamentais para uma casa que, convenhamos, é ótima - muito espaçosa, bem arejada, boa iluminação - mas com uma estrutura de engenharia obsoleta e que necessita de reparos urgentes e constantes.
Em tese, faz sentido, mas se essa forma de gestão irá sobreviver à dinâmica político-jurídica do Brasil, por mais que análises cuidadosas, conjecturas, elucubrações e adivinhações sejam deliciosas de serem lidas, na boa receita da tentativa e erro, só o tempo dirá.
*Jonathan Hernandes Marcantonio é advogado na área Empresarial; doutor em Teoria e Filosofia do Direito e do Estado, professor nas áreas de Teoria, Filosofia e História do Direito; Direito Constitucional, Internacional e Humanos na USP/Ribeirão Preto/SP
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