“Precisamos assumir o compromisso de cuidar dos mais carentes” defende Luciana Bregolin
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(Fotos: Divulgação )
Presidente da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais (Anadef) afirma que país precisa fortalecer a Defensoria para garantir o acesso de todos à Justiça.
Ao cobrar políticas claras contra as violações de Direitos Humanos nos presídios brasileiros e tratamento adequado para as pessoas em situação de rua, o Supremo Tribunal Federal reforçou a relevância da atuação da Defensoria Pública da União (DPU), segundo argumenta a presidente da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais, Luciana Bregolin.
“Temos uma dívida muito grande com uma parcela importante da sociedade brasileira que não tem acesso a serviços básicos do Estado. No nosso caso, pessoas que têm pouco ou nenhum acesso à Justiça, como demonstram todas as pesquisas recentes feitas pela Defensoria Pública da União (DPU). Não podemos normalizar isso e achar que está tudo bem, porque não está”, afirmou Luciana.
Em junho deste ano a DPU divulgou uma pesquisa mostrando que quase 50 milhões de brasileiros não têm acesso à Justiça. A Defensoria Pública da União dispõe de meros 698 defensores para atender todo o território nacional. Mesmo com a recente posse de novos aprovados em concursos públicos, as contas mudam pouco: um defensor federal para cada 290 mil brasileiros.
O orçamento também permanece baixo – em 2023, foi de R$ 670 milhões (o que equivale a 0,01% do Orçamento da União). O orçamento da DPU é, de longe, o mais baixo entre os demais órgãos e entes do sistema de justiça, o que tem gerado uma desigualdade enorme e causado a ausência de justiça efetiva para os mais pobres. O advento do Teto de Gastos, em 2017, e agora, do Arcabouço Fiscal impuseram limites orçamentários particularmente injustos à Defensoria Pública da União, instituição jovem e apenas recentemente autônoma.
A recente sanção da Lei 14.726/23, após mais de 10 anos de tramitação no Congresso Nacional, ajuda a melhorar um pouco essa situação. Em implementação do que prevê a norma, foram criados, no início de dezembro de 2023, oito novos núcleos de atendimento em municípios do interior, além de se ter ampliado o atendimento em sete unidades já existentes e estabelecido uma nova unidade em Juazeiro do Norte (CE).
“É claro que a Lei 14726/23, passo importantíssimo para a Defensoria e fruto de uma grande luta da sociedade, permitirá ampliar a interiorização dos defensores no Brasil, bem como diminuirá a evasão de Defensores para outras carreiras, e, mais importante, garantirá a prestação de um serviço de maior qualidade para a população”, declarou a presidente da Anadef.
Transcorridos 35 anos da promulgação da Constituição de 1988 e após 10 anos de luta no Congresso Nacional, a lei em questão é um começo diante da necessidade de cumprimento da Emenda Constitucional 80/2014, que determina a presença de um defensor público federal onde quer que haja um juiz federal. “Uma vez cumprida a norma constitucional, haverá uma verdadeira revolução na assistência jurídica integral e gratuita à população mais carente, que hoje se encontra desamparada e sem direito a ter direitos”, sublinha a presidente da Anadef.
Luciana lembra que, a despeito das muitas limitações de recursos humanos e orçamentários, a DPU segue se desdobrando e se superando para exercer suas atividades em proveito dos mais vulneráveis. Entre janeiro e novembro de 2023, foram realizados ao todo 1,59 milhão de atendimentos nas unidades da Defensoria. No mesmo período, foram realizadas 12,2 mil tutelas coletivas, com uma média total de 596,1 mil pessoas assistidas. A média total de processos acompanhados foi de 451,2 mil. Aproximadamente 250 mil processos foram abertos ao longo do ano passado. (veja aqui)
Ainda assim, a situação segue complexa. Luciana afirma que, diariamente, a resiliência da Defensoria é colocada à prova diante de números que insistem em ser trágicos. São mais de 281 mil pessoas em situação de rua no Brasil (IPEA). Entre 2021 e 2022 aumentou em 5% o número de feminicídios no país. Além disso, as estatísticas do mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que, a cada 34 horas, uma pessoa LGBTQI+ é assassinada no Brasil; aumentaram os casos de estupro (15,3%) e de exploração de crianças e adolescentes (16,4%). O mesmo levantamento mostrou que a imensa maioria – 70% - dos 823 mil detidos no sistema prisional brasileiro são negros e que um quarto da população carcerária está detida de maneira provisória, sem julgamento. “Somos poucos para atender todas essas demandas. Mas resistimos. Somos uma gota com força de tempestade”, afirmou Luciana.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a Defensoria deve ter voz mais ativa na defesa dos excluídos. A decisão foi tomada pelo presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, com base em um questionamento feito pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e seis partidos políticos contra alegadas falhas e omissões do Poder Público no combate à pandemia da covid-19 em relação aos povos indígenas brasileiros. “A decisão reconheceu a legitimidade da Defensoria Pública brasileira para intervir em todo e qualquer processo em que os destinatários da prestação jurisdicional apresentem vulnerabilidade”, segundo o defensor público Júnior Amaral, diretor financeiro da Anadef.
Luciana destaca que a sanção da Lei 14.726/23, a mencionada decisão do STF, a aprovação pelo Senado Federal do nome do novo defensor-geral e sua nomeação pelo Presidente Lula são alentos, mas que existe muito mais a ser feito. A Defensoria segue presente em apenas 27% dos municípios que têm subseções da Justiça Federal, quando já deveria estar em 100% desde 2022, segundo determina a Constituição Federal. “A ausência de defensor público federal em aproximadamente 70% dos locais onde já há justiça federal revela um descaso para com a população mais vulnerável, que segue invisibilizada em seus direitos, que segue sem saber quais são seus direitos, que segue sem ter a quem recorrer para questões fundamentais como, por exemplo, vida, saúde (acesso ao SUS), previdência (idosos, trabalhadores), educação (universidades), moradia (acesso a programas da CEF), assistência social (pessoas com deficiência, idosos) e liberdade (encarceramento em massa), ou seja, todas questões que envolvem direitos relativos à entes federais. A Defensoria é o sim ao povo, e isso deveria ser prioridade de qualquer governo; deveria ser uma política de Estado”, assinala a presidente da Anadef.
Além disso, é preciso tratar o orçamento da DPU sob as mesmas regras das áreas de Saúde e Educação, para que a sua atividade tão relevante e indispensável não fique sufocada pelos limites impostos pelo Arcabouço Fiscal – a exemplo do que ocorreu no passado com o Teto de Gastos. “Não estamos dizendo que não precisamos discutir equilíbrio fiscal ou reformas que tragam mais segurança para a economia brasileira. Mas o Brasil não é feito de números, é feito de pessoas – muitas das quais vitimadas por múltiplas formas de precariedade. Precisamos assumir um compromisso claro e que produza resultados concretos para cuidar dos mais carentes”, declarou a presidente da Anadef, Luciana Bregolin.
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